Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Vitória da desinformação

Num dos piores momentos de sua história, Roda Viva constrange Manuela D'Ávila

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Sem surpreender o espectador há muito tempo, o Roda Viva conseguiu chamar a atenção na última semana, mas por um mau motivo. "O mais tradicional programa de entrevistas da TV brasileira", como se orgulha de anunciar a TV Cultura, submeteu a sua convidada, Manuela D'Ávila, a uma série de constrangimentos na última segunda-feira (25).

Convidada a falar sobre os seus planos e intenções como pré-candidata à Presidência da República pelo PC do B, Manuela se viu, a certa altura, na posição de interrogada. O apresentador, Ricardo Lessa, insistiu sete (7) vezes em saber a sua opinião sobre Josef Stálin (1879-1953) e o stalinismo.

Jornalistas têm a obrigação de fazer perguntas incômodas, ainda mais diante de figuras públicas. A pergunta de Lessa faz sentido no contexto da história do PC do B, mas a sua afobação, insistência e falta de jeito para lidar com o tema foi de envergonhar.

Como a Folha mostrou na edição de quarta-feira (27), a entrevista também causou mal-estar pelas constantes interrupções sofridas pela convidada. O levantamento do jornal indicou que Manuela foi interrompida ao menos 40 vezes durante os 80 minutos da sabatina —uma vez a cada dois minutos.

Outros pré-candidatos à Presidência entrevistados neste ano pelo Roda Viva não passaram por nada semelhante. Guilherme Boulos (PSOL) foi interrompido nove vezes, seguido por Ciro Gomes (PDT), com oito cortes, e Marina Silva (Rede), cortada no meio de uma fala apenas três vezes.

Movimentos feministas enxergaram machismo nesta postura dos entrevistados. Na minha opinião, também expressou incômodo com as posições políticas defendidas por Manuela, o que é sinal de intolerância.

O Roda Viva com a pré-candidata do PC do B ainda será lembrado, tristemente, pela presença na bancada de entrevistadores do coordenador da área rural do programa de governo do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).

Ricardo Lessa omitiu do público essa informação ao apresentar Frederico D'Ávila apenas como diretor da Sociedade Rural Brasileira. Coube à entrevistada avisar aos espectadores que estava sendo inquirida por alguém diretamente envolvido na luta política.

As intenções eleitorais do assessor de Bolsonaro ficaram explícitas em todas as suas perguntas. A primeira foi: "Como não dizer que o fascismo é de esquerda, já que ele é o criador da Carta del Lavoro, que é a mãe da CLT?" A segunda, feita cinco (5) vezes, foi: "A senhora é a favor da castração química para estupradores?" Em um dos muitos bate-bocas com Manuela, Frederico D'Ávila exclamou: "Meu avô disse que nunca viu um partido tão parecido com o partido nazista quanto o PT".

Lessa lavou as mãos na abertura ao informar que "a pré-candidata Manuela D'Ávila não fez qualquer exigência ou restrição quanto a bancada de entrevistadores, escolhida livremente pela produção do programa".

A participação do ruralista faria sentido num debate, não numa entrevista. A sua inclusão no Roda Viva com a pré-candidata do PC do B pode ser sinal da preocupação da TV Cultura em parecer pluralista, mas resultou vexaminosa.

Este problema, aliás, acomete também o Jornal da Cultura, principal telejornal da emissora. O esforço de demonstrar pluralidade é tão grande que, eventualmente, implica na aberração de colocar duas pessoas com posições radicalmente opostas, mas ambas totalmente despreparadas para debater. É a vitória da desinformação.

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