Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer

Um duelo imaginário entre séries

Seria 'Better Call Saul' melhor do que 'Breaking Bad'?

Jonathan Banks (esq.) e Bob Odenkirk em cena da segunda temporada de 'Better Call Saul' - Divulgação

No primeiro episódio da quarta temporada de "Better Call Saul", um dos personagens centrais, o ex-policial Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks) resolve fazer uma incursão de surpresa na empresa que o contratou como consultor de segurança.

A certa altura, ele cruza, na copa, com dois funcionários que estão no meio de uma discussão animada: quem venceria uma luta entre Muhammad Ali e Bruce Lee?

Um dos funcionários, branco, levanta argumentos em defesa do lutador de artes marciais enquanto o outro, negro, aposta suas fichas no boxeador. Convocado a dar a sua opinião, Mike diz: "Bruce Lee tem uma arma? Porque se ele não tiver, Muhammad Ali o derruba em menos de três minutos".

A cena dura cerca de 90 segundos e não tem maior relevância para o andamento da série, afora reforçar a visão do personagem sobre o papel de uma arma em uma briga.

Mas é genial pela sugestão que oferece ao espectador de imaginar essa luta impossível entre dois contemporâneos, ambos brilhantes em suas especialidades.

Destaco esse trecho porque ele me fez pensar num outro embate, em que é igualmente difícil escolher um vencedor: seria "Better Call Saul" melhor do que "Breaking Bad"?

Sei dos riscos que corro diante dos fãs da incrível e perturbadora saga de Walter White (Bryan Cranston), o professor de química que vira traficante da pesada, mas vou arriscar alguns argumentos no esforço de mostrar, ao menos, que a comparação não é descabida.

Criação de Vince Gilligan, exibida originalmente em cinco temporadas entre janeiro de 2008 e setembro de 2013, num total de 62 episódios, "Breaking Bad" é uma das séries que ajudaram a forjar o conceito de era de ouro da TV americana. Está tudo ali: um anti-herói como protagonista, uma trama bem estruturada, roteiros espetaculares, muita ação e grandes interpretações.

Como sabem os fãs, um dos personagens secundários é o advogado picareta Saul Goodman (Bob Odenkirk). Ele ajuda White a lavar o dinheiro obtido com as drogas e o livra de várias enrascadas tanto com a polícia quanto com outros traficantes.

"Better Call Saul", lançada em fevereiro de 2015, se propõe a contar a história pregressa desse advogado. É por isso chamada de um "spin-off prequel", ou seja, uma série derivada de outra cuja história precede a original.

No tempo em que se passa a série, 2001 e 2002, entendemos que Saul Goodman era uma espécie de nome artístico, que ele usou inicialmente para se fantasiar de produtor de anúncios publicitários. O seu nome de verdade é James McGill, ou Jimmy.

As primeiras três temporadas exploram um drama com tintas de tragédia grega, o conflito entre Jimmy e seu irmão mais velho, Chuck (Michael McKean), um advogado respeitado e bem-sucedido.

Com muita habilidade, os criadores da série, Vince Gilligan e Peter Gould, não permitem em momento algum que o espectador tome partido de um dos lados da briga.

A série introduz dois personagens importantes, Kim Wexler (Rhea Seehorn), a namorada de Jimmy, e Nacho Varga (Michael Mando), um jovem traficante.

E traz de "Breaking Bad" três tipos essenciais, o já citado Mike e os traficantes rivais Gus Fring (Giancarlo Esposito) e Hector Salamanca (Mark Margolis).

É verdade que "Better Call Saul" oferece muito menos ação que a série mãe (ambas disponíveis na Netflix), mas me parece ainda mais rica e sombria.

Todos esses tipos citados são complexos, contraditórios e suas histórias provocam e fazem pensar. Um ator é melhor que o outro, não há um enquadramento óbvio ou repetido e o roteiro é brilhante. No mínimo, vejo empate no duelo entre as duas séries.

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