Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer

É preciso resistir

O corajoso 'Amor & Sexo' perde audiência ao enfrentar a onda conservadora

Há programas de televisão que envelhecem com sucesso. De um modo geral, são aqueles que contam com um mesmo apresentador carismático há 10, 20 ou 30 anos e a cada temporada estreiam um quadro novo ou inventam alguma bossa para transmitir a impressão de que não pararam no tempo.

Sem a menor intenção de tentar uma renovação verdadeira, procuram realizar uma atualização cosmética. Como o cheiro de mofo afugenta, o espectador precisa ser convencido permanentemente de que o seu programa preferido está fresco, atual. Vários são os exemplos na praça que provam a eficácia desse truque.

Tudo isso para dizer que "Amor & Sexo", em sua 11ª temporada na Globo, é uma exceção a essa regra. Real, e não forjada, a sua atualidade é o seu maior trunfo e dá sinais, hoje, de ser também o seu maior pecado. Afiado como sempre, e renovado, o programa comandado por Fernanda Lima vem acumulando recordes negativos de audiência.

Lançado em 2009, a atração sempre buscou falar sobre os dois assuntos enunciados em seu título da forma mais natural possível, procurando mesclar entretenimento com militância em favor de uma agenda progressista.

A cada ano, a pauta de merchandising social de "Amor & Sexo" se amplia. Os direitos femininos funcionam como um ponto de partida, a partir do qual Fernanda Lima e equipe discutem outros temas fundamentais, como respeito às diferenças, combate a todas as formas de discriminação, inclusão social, racismo, questões de gênero etc.

Em algumas ocasiões critiquei o excesso de didatismo do programa e disse que chegou a me parecer um telecurso. Mas sempre respeitei e admirei a coragem de enfrentar assuntos difíceis e não temer as reações adversas.

Em outubro de 2013, por exemplo, "Amor & Sexo" exibiu, na estreia da sétima temporada, um grupo de dançarinos totalmente nus no palco. Foi um choque, mas teve o efeito desejado, acredito, de flexibilizar um pouco os limites sobre o que pode e o que não pode passar na televisão.

O episódio da última terça-feira (23) foi sobre família. Na abertura, a apresentadora perguntou: "Se o homem foi pra Lua e a mulher foi pra rua, se já tem homem no tanque e estamos lutando por mais mulher no palanque, por que a família brasileira ainda é retratada como nos tempos da vovozinha?".

E acrescentou: "Quem é, afinal de contas, a família brasileira? 'Amor & Sexo' declara: somos muitos, somos brancos, negros, índios, dois, três, quatro, seis, dez, um. Somos pai e mãe. Mãe e mãe. Pai e pai. Mãe solo. Pai solo. Filho dele, filha dela, nossos filhos. Somos incluídos, excluídos, ligados pelo sangue, por afeto, respeito e amor. Compartilhamos lar, mesa e dor".

O episódio foi responsável pela audiência mais baixa registrada na história do programa —9,4 pontos em São Paulo (cada ponto equivale a 201 mil indivíduos).

Mesmo um espectador distraído seria capaz de notar que esse discurso de abertura da apresentadora Fernanda Lima, intencionalmente ou não, propôs um contraponto explícito à agenda conservadora, em defesa da família, defendida publicamente por Jair Bolsonaro (PSL).

Sempre frisando que a sua candidatura está do lado "da família brasileira, que tanto clama para que seus valores sejam respeitados", o capitão reformado chega a este domingo (28) com chances reais de se tornar o próximo presidente do país.

O que será do programa "Amor & Sexo" se isso ocorrer? Audiência na TV aberta é importante, claro, mas a realidade tornará o programa ainda mais essencial. Resta saber se a Globo vai resistir ou recuará, como já fez em várias outras situações.

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