Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Presença de Babu Santana no 'BBB' ajuda a expor discriminação e preconceito

Insistência de participantes em votarem no ator foge da lógica

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Confinado há 90 dias no "BBB 20", o ator Babu Santana entrou para a história do programa ao se tornar o participante mais indicado para eliminação (o "paredão") de todas as edições. Já foi oito vezes e em todas voltou, ou seja, não foi o mais votado pelo público.

Negro, alto, gordo e distante dos padrões de beleza, Babu tem uma enorme carreira como ator, mas quase sempre em papéis secundários, no cinema e na TV. Ficou famoso por ter interpretado (muito bem, por sinal) Tim Maia no filme de Mauro Lima sobre a vida do cantor.

Em 2015, numa entrevista a Lázaro Ramos, o ator desabafou sobre as limitações profissionais. "Eu até faço mais um bandido, mas eu não quero mais roubar a bolsa. Eu quero ser o mentor. Eu quero ser o mentor da parada toda. Eu quero fazer um personagem complexo, independente do que ele é."

Babu foi criado na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, e se formou ator no grupo Nós do Morro, um projeto de caráter social que cresceu e se tornou uma respeitada escola de formação.

Lázaro pergunta se Babu fez personagens que podem ser considerados estereotipados para um ator negro. "É uma questão de sobrevivência", responde, falando da televisão. "Eu queria saber como eu ia entrar nesse mercado. Eu tinha certeza que não ia ser beijando a menina da novela das oito. Enxerguei isso como uma janela."

A entrada de Babu no "BBB" logo chamou atenção. A Globo selecionou inicialmente nove participantes anônimos e outros nove "famosos". Estes, em sua maioria, eram figuras jovens e populares nas redes sociais. Além de ser o único negro, era também um idoso para os padrões do programa (40 anos) e sem maior presença na internet.

Entre os nove anônimos, também foi selecionada uma participante negra, a médica Thelma Assis. Uma foto da sua turma na escola de medicina que circulou na internet mostra que era a única negra entre 60 alunos. Figura doce e delicada, Thelma está, assim como Babu, entre os seis finalistas.

O ator e a médica entenderam desde o início que representavam uma cota no "BBB". Estabeleceram uma conexão de pronto, mesmo não sendo aliados na dinâmica do reality show. Evitaram votar um no outro até quase o fim. Nestes três meses nunca enunciaram a palavra "racismo", mas notaram que o preconceito e a discriminação pousaram como uma nuvem sobre eles.

A insistência dos demais participantes em votarem em Babu nos paredões não tem qualquer explicação lógica. O ator não foi "vilão" no programa: não articulou votos, não "traiu" ninguém, não fez fofoca.

Duas participantes disseram, mais de uma vez, que tinham "medo" dele, mas não conseguiram dizer por quê. Uma votou no ator em oito paredões. Sobre a outra, ele disse: "Me olha do mesmo jeito que a minha patroa me olhava. Tenho um trauma desse olhar".

Como diz a americana Robin DiAngelo, que cunhou o termo "fragilidade branca", "nossa definição simplista de racismo --como atos intencionais de discriminação racial cometidos por indivíduos antiéticos-- gera a confiança de que não somos parte do problema e que nosso aprendizado está completo".

DiAngelo fala do lugar dos brancos, como ela, que têm dificuldade em entender como o racismo está entranhado na sociedade americana. A recente tradução de seu livro ("Não Basta Não Ser Racista - Sejamos Antirracistas", Faro Editorial, 192 págs., R$ 39,90) pode vir a ajudar a nós, brasileiros.

No caso da Globo, a emissora precisa entender que não basta fincar algumas estacas (um apresentador de telejornal, uma protagonista de novela, um casal de apresentadores no entretenimento) para ajudar a atenuar este grave problema.

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