Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Televisão

Hebe e Jô Soares mostram que hoje falta o gosto e a coragem de correr riscos

Talk shows revelam que os bons apresentadores são aqueles impossíveis de enquadrar

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Como qualquer indústria disposta a crescer, a televisão evoluiu nos seus primórdios ocupando espaços vazios do mercado com experiências inovadoras. Inúmeras delas fracassaram, mas muitas deram certo e perduraram, criando hábitos de audiência, influenciando a atuação de outros profissionais e gerando dinheiro.

Duas séries documentais dedicadas à história da televisão reforçam a ideia de que a inovação está associada ao risco e tem alergia ao planejamento. "A História do Late Night", na HBO Max, investiga como nasceu o talk show de fim de noite na TV americana. Já "Hebe - Um Brinde à Vida", no Globoplay, mostra como a trajetória pessoal da apresentadora teve impacto sobre a profissional.

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Hebe Camargo em cena da série documental sobre sua vida - Frame/Folhapress

O pioneiro Tonight Show, na NBC, existe desde 1954. Surgiu basicamente porque não havia programas na televisão depois das 23h. Era uma oportunidade escancarada para lucrar com baixo custo.

Sem roteiro, Steve Allen, o primeiro apresentador, improvisava ao vivo por 90 minutos. Entrevistava pessoas da plateia, contava piadas, gravava números engraçados na rua e se arriscava em grandes maluquices, como pular num pote de gelatina gigante. Por seus dotes de showman, que até lembra Silvio Santos, Allen foi promovido para o horário nobre em 1957.

Jack Paar, seu substituto, era um sujeito mais introspectivo. Inventou o monólogo de abertura, em pé. Contava histórias íntimas para o público e tinha prazer em fazer entrevistas. Acrescentou o sofá, a mesa e uma caneca. Um belo dia, irritado com a censura a uma piada, despediu-se do público e foi embora. Voltou um mês depois para ficar até 1962.

Nas muitas entrevistas que deu ao estrear o seu talk show no SBT, em 1988, Jô Soares sempre citava Allen e Paar como referências. Além de Johnny Carson, naturalmente.

A fundação do talk show de fim de noite se completa com Carson, que começou na TV como mágico e depois apresentou um game show até ser convidado para substituir Paar. Carson permaneceu 30 anos no comando do Tonight Show.

Era um sujeito muito engraçado. Tinha um grupo de música fixo, atualizou o monólogo de abertura com piadas que se referiam aos fatos do dia, deu espaço a muitos comediantes e entrevistou todos os artistas. Evitando se posicionar sobre temas polêmicos, conseguia agradar a gregos e troianos.

Desenvolvida a fórmula por esse trio pioneiro, o que veio depois foram variações fundadas no temperamento, na cultura e no jogo de cintura dos apresentadores. Um dos aspectos mais interessantes do talk show, para o bem e para o mal, é justamente o fato de ser a cara de quem faz. É um gênero impossível de enquadrar.

Hebe Camargo, de certa forma, demonstrou algo semelhante em mais de cinco décadas como apresentadora. O gosto pela vida, a curiosidade, a simpatia e a alegria ajudaram a moldar atrações prazerosas, acolhedoras e divertidas de ver.

Fugindo do roteiro, fazendo e falando o que lhe dava na telha, Hebe construiu uma imagem de autenticidade, o que é indispensável para o sucesso. Ao não esconder sua posição a respeito de temas polêmicos, tanto em questão de costumes quanto políticas, ouviu críticas e recriminações.

De forma intuitiva ou não, a apresentadora criou um lugar que não existia, e que é inimitável. No documentário, o jornalista Ricardo Kotscho diz que faltam programas como o de Hebe hoje. Concordo.

Mas o que falta mesmo é o gosto e a coragem de correr riscos. Só fugindo dos formatos comprados prontos e dando chance ao imprevisto é que surgirão novas figuras como Hebe.

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