Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Televisão

'A Artista da Enganação' lembra lei que protege propaganda pró-Bolsonaro

Série italiana sobre rainha das televendas mostra que a legislação para a TV tem se mostrado pouco eficiente

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Na onda de séries documentais sobre crimes que tomou as plataformas de streaming, a contribuição da Itália não poderia ser mais expressiva. "A Artista da Enganação", na Netflix, conta em quatro episódios a história de Wanna Marchi, uma mulher que fez carreira na televisão vendendo cremes de algas para emagrecer.

O auge de sua atividade, em parceria com a filha, Stefania Nobile, ocorreu entre as décadas de 1980 e 1990, quando a preocupação com a aparência física estava no auge.

Cena da série "A Artista da Enganação"
Cena da série "A Artista da Enganação" - Divulgação

Mãe e filha se tornaram campeãs em um segmento que depende de muito gogó e cara de pau. Gritando desavergonhadamente, as duas decretaram uma "guerra à banha" na TV e fizeram fortuna com as
vendas de um produto "dissolve-barriga" ("scioglipancia").

Não eram as únicas na TV italiana, mas nenhum concorrente chegava perto em matéria de audácia. "Você não presta!", gritava Wanna a potenciais clientes. "Encontrar um marido é fácil. Perdê-lo é uma questão de segundos", dizia, incentivando as espectadoras a adquirir os ineficientes cremes emagrecedores.

Num ambiente com pouquíssima regulação, muitos programas de televendas como os de Wanna Marchi ultrapassavam os limites éticos sem sofrer maiores dores de cabeça. Até que, com a incorporação do brasileiro Mario Pacheco do Nascimento ao time, vendendo "números da sorte" para apostadores de loteria, a firma decolou rumo a um terreno mais perigoso.

Clientes incautos, acreditando nas "energias positivas" enviadas pelo "mestre Do Nascimento", telefonavam de volta quando se davam conta de que os números indicados não eram sorteados. Muitos eram convencidos pelas telefonistas de que a culpa seria deles próprios, que estariam carregando "energias negativas".

Wanna Marchi, então, passou a vender amuletos e produtos que poderiam ajudar os consumidores a alcançar as graças desejadas. Coagidos pelas telefonistas, muitos gastaram o que tinham e o que não tinham com a promessa de sorte e felicidade.

Até que o Striscia la Notizia, uma espécie de CQC italiano, resolveu investigar. Com câmeras escondidas que mostraram o modus operandi da empresa de Marchi e depoimentos de várias vítimas envergonhadas da própria ingenuidade, o programa jornalístico levou a polícia e o Ministério Público a agir.

Mãe e filha foram presas e condenadas por fraude em um julgamento televisionado como reality show. Passaram seis anos atrás das grades. Nascimento, que voltou ao Brasil na hora agá, também foi condenado, mas não ficou um dia preso.

"A Artista da Enganação" ajuda a lembrar que, também no Brasil, a legislação tem se mostrado pouco eficiente para coibir situações como as que ocorreram na Itália. Graças a uma nova lei, sancionada pelo presidente em julho deste ano, agora as emissoras de rádio e televisão podem transferir, comercializar ou ceder o tempo que quiserem para a veiculação de "produção independente". Os canais devem apenas respeitar as regras de limitação de publicidade, de até 25% do tempo total de programação.

É uma alegria para as concessões públicas que, com a complacência da lei, alugam horários para terceiros, sem maiores responsabilidades pelo que é exibido. Também reina no Brasil outro tipo de liberalidade, ainda mais aguda, que é a ocupação de canais de TV por programação religiosa.

São vários os relatos, neste momento de campanha eleitoral, de que lideranças religiosas à frente de horários comprados têm feito propaganda política explícita a favor de Bolsonaro e contra Lula e o PT. Em nome de Deus, pastores não se vexam de propagar mensagens dúbias para "salvar o Brasil" e convencer o espectador de que "é impossível ser cristão e ser de esquerda".

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