Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Cobertura eleitoral teve excesso de opinião e pouca reportagem

Jornalistas se apegaram demais às pesquisas e não foram capazes de entender o eleitor

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Entre 18 de agosto e 1º de outubro, considerando votos válidos em sete pesquisas, Lula oscilou no Datafolha de 51 para 50 pontos e Bolsonaro foi de 35 para 36. É natural que, ao fim desses 45 dias, os eleitores tenham se surpreendido muito com o efetivo resultado eleitoral —48,43% contra 43,20%.

Entendo que pesquisa eleitoral não faz prognóstico e revela só o retrato do momento. Caberia ao jornalismo, talvez, ter sido mais prudente e comedido na divulgação destes retratos.

Ocorreu justamente o oposto. Numa campanha eleitoral com mais analistas e colunistas do que repórteres, o noticiário de TVs, incluindo os canais de notícias 24 horas, jornais e sites, foi sustentado por esses retratos. As análises sobre números fornecidos periodicamente por inúmeros institutos de pesquisa ocuparam lugar que deveria ter sido das reportagens nas manchetes.

Lula e Bolsonaro com expressões de tristeza.
Montagem com Bolsonaro e Lula - AFP

Foi a eleição das pesquisas. A excitação antes da divulgação dos números de cada novo levantamento, natural entre eleitores, acabou contaminando a nós, jornalistas. No sábado, véspera da eleição, a Globo não esperou o Jornal Nacional, às 20h30, e abriu espaço, às 18h, para divulgar os últimos números do Datafolha e do Ipec.

Acho plausível a hipótese de que o antipetismo tenha causado uma migração gigantesca de votos entre sábado e domingo, dia da votação. Mas esse movimento poderia ter sido captado previamente nas ruas, por repórteres, ouvindo núcleos de eleitores de Tebet e Ciro.

É verdade que houve vários trabalhos jornalísticos de enorme grandeza durante as eleições, destacando-se em primeiro lugar o detalhado e exaustivo levantamento feito por Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do UOL, sobre os negócios imobiliários do clã da família Bolsonaro.

E é verdade também que parte da mídia cuidou de defender o presidente de forma abnegada, antes e durante a campanha eleitoral. Houve emissora de televisão que deu mais espaço para desmentidos em relação à reportagem do que à documentação levantada.

Mas nem só de denúncia se faz uma cobertura de eleição. Olhando o resultado do primeiro turno, me pergunto se houve reportagem capaz de explicar a permanência desse apoio tão grande a Bolsonaro a despeito do que ele fez de mais repugnante durante o seu mandato.

Nas principais emissoras de TV aberta, com exceção da Globo, o jornalismo foi complacente, quando não parceiro, do governo neste longo período. O presidente raramente foi retratado objetivamente como ele é. Nos seus momentos mais desumanos foi "polêmico".

Bolsonaro deu dezenas de entrevistas a Record, SBT e Band nestes quatro anos, mas raramente uma resposta sua foi objeto de réplica de quem o entrevistava. Nesta segunda-feira, primeiro dia depois da eleição, Jornal da Record e SBT Brasil simplesmente não anunciaram o placar final da disputa entre Lula e Bolsonaro na abertura de seus telejornais.

Tenho a sensação de que nós, jornalistas, não fomos capazes, até agora, de explicar que Brasil é esse. Pior, estamos tão surpresos quanto quem nos lê ou nos assiste.

Falando em pesquisa

Renato Terra acaba de entregar mais um documentário sensacional. Dez meses depois de "O Canto Livre de Nara Leão" é a vez de "Vale Tudo com Tim Maia".

Assim como o anterior, este é uma produção do Globoplay, o que amplia muito as possibilidades de acesso a arquivos preciosos. Em parceria com Nelson Motta, também autor de uma biografia do cantor, Terra constrói a narrativa de "Vale Tudo com Tim Maia" inteiramente com material antigo – shows, entrevistas e registros de confusões variadas.

Ainda que muitas vezes soe triste, porque o espectador vê o músico caminhar na beira do precipício, o documentário está à altura da voz e do talento de Tim Maia. Imperdível.

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