Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Boate Kiss

Caso da boate Kiss é rio de lágrimas

Impossível não se revoltar com história contada em duas séries sobre o incêndio

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Cada vez mais acirrada, a disputa pela atenção do assinante de plataformas de streaming tem produzido situações incomuns e levado a decisões, de certa forma, extremas. No caso mais recente, Globoplay e Netflix lançaram séries sobre um mesmo assunto num intervalo de 24 horas.

De boa qualidade, ambas foram produzidas mirando a exibição numa mesma data: os dez anos do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS), ocorrido em 27 de janeiro de 2013, que causou a morte de 242 pessoas, em sua maioria estudantes universitários.


A série documental "Boate Kiss - A Tragédia de Santa Maria", dirigida e conduzida pelo repórter Marcelo Canellas, chegou ao streaming da Globo na quinta-feira 26 de janeiro. Um dia depois, na data exata, a Netflix lançou "Todo Dia a Mesma Noite", uma ficção, dirigida por Julia Rezende, baseada no livro de mesmo título da repórter Daniela Arbex.


Há algumas similaridades entre elas. Ambas têm cinco episódios e buscam reconstituir os fatos tendo por base o trabalho prévio de jornalistas. Não por acaso, os pais de vítimas que tomaram mais iniciativas no esforço de esclarecimento do caso e julgamento dos responsáveis são protagonistas nas duas séries.

Cena de 'Boate Kiss – A Tragédia de Santa Maria'
Cena de 'Boate Kiss - A Tragédia de Santa Maria', do Globoplay - Divulgação


Claro que a obra de ficção toma algumas liberdades, mas ela é basicamente calcada em informações coletadas por Arbex, uma repórter experiente. Já o documentário se vale do conhecimento acumulado pelo igualmente calejado Canellas, que esteve em Santa Maria a trabalho, inúmeras vezes, ao longo dos dez anos.

"Todo Dia a Mesma Noite" se detém com mais atenção num caso que beira o escárnio, os processos movidos pelo Ministério Público contra pais indignados, que são acusados de calúnia e difamação por suas críticas à atuação dos promotores. Já a série documental acompanha com mais cuidado o julgamento e condenação de quatro acusados, cujo júri foi anulado alguns meses depois.

Tanto a série ficcional quanto a documental causam um mesmo efeito –rios de lágrimas. É preciso assisti-las com uma caixa de lenços de papel ao lado.

Chora-se com a exibição de imagens da tragédia, em si, e com a perplexidade dos pais diante da notícia. Chora-se com o choro deles. Com a emoção deles ao conquistarem uma pequena vitória. E com o choro deles diante de várias derrotas e frustrações. Chora-se muito.

É um choro inevitável diante do tema que tratam, e não me parece ser, como alguns familiares criticam, uma apropriação da dor alheia para fins de entretenimento e lucro dos produtores.

É fato que "Todo Dia a Mesma Noite" ultrapassa limites ao reconstituir a cena do reconhecimento dos corpos, dispostos lado a lado, no chão de um ginásio. Mas é um sensacionalismo resultado de um engajamento da direção, justificável dentro de um pacto feito com o espectador desde o início. Afinal, os lemas da série são: "Por memória. Por justiça. Que não se repita".

As duas produções buscam incitar o espectador a sentir e compartilhar a dor dos pais e parentes das vítimas. O nosso choro é um choro de solidariedade, mas também de desespero, ao nos colocarmos no lugar daquelas pessoas, incapazes, naturalmente, de aceitar a tragédia.

Dessa forma, as duas séries parecem ter o objetivo de engajar o público na luta algo kafkiana vivida pelo pais de Santa Maria. São tantas falhas, omissões, erros, dificuldades e incompetências de autoridades que ocorreram ao longo destes dez anos que a única sensação possível é de revolta.

Dez anos da morte de 242 jovens dentro de uma boate sem nenhuma condenação?

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