Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Em séries da Netflix, Deus está no comando

'Vosso Reino' cria Argentina teocrática; 'Cerco de Waco' mostra tragédia do fanatismo religioso

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O exercício de imaginar o pior futuro possível tem rendido farto material para a indústria do entretenimento, em especial para o cinema e a televisão. Provocar medo no espectador sempre foi uma aposta segura, ainda mais em tempos sombrios, como os atuais.

A distopia imaginada por Margaret Atwood em "O Conto da Aia" é um exemplo bem-acabado do potencial desse filão. Lançada em 2017 na TV, no formato de série, "The Handmaid's Tale" se tornou um fenômeno. Muito além do que a escritora vislumbrou, já está na quinta temporada.

Cena da série 'The Handmaid's Tale' - Divulgaçao Hulu

O terror vivido em Gilead, porém, ainda que se passe num "futuro próximo", é claramente apresentado como uma situação ainda distante, longe do alcance do espectador.

Já "Vosso Reino" descreve um pesadelo que está batendo à porta. A série argentina se passa no tempo presente, num país presidido por um pastor neopentecostal, que pede a seus ministros que se deem as mãos e rezem antes das reuniões de governo.

A primeira temporada mostrou que o pastor Emilio, vivido por Diego Peretti, chegou ao poder graças à conjugação de interesses difusos, reunindo o empresariado do país, forças ocultas estrangeiras e líderes evangélicos.

Joaquín Furriel (esq.), Chino Darins e Diego Peretti em cena da série 'Vosso Reino' - Marcos Ludevid/Netflix

Rubén Osorio (Joaquín Furriel), o obscuro assessor político que articula essa associação, enxerga a direita religiosa como um mal menor e, aparentemente, sob controle.

Na segunda temporada, que acaba de estrear (Netflix), Osorio se dá conta de que perdeu o controle da situação e vê a teocracia que ajudou a criar virar um trem desgovernado. "Este é o problema deste país: a camada de baixo não pensa e a de cima também não", lamenta seu assistente.

Desarticulado politicamente, o pastor Emilio aceita o apoio de um grupo de policiais e militares de extrema direita, da ativa e da reserva. Para eles, o Congresso "atrapalha". "Se as instituições não funcionam, devemos ajudar a consertá-las", diz o líder dos milicianos. Para dar exemplo, promovem ações de violência contra gays e defensores do aborto.

Embora Emilio seja a face mais visível da Igreja do Reino da Luz, é sua mulher, Elena (Mercedes Morán), quem comanda os negócios. "Tudo o que acontece na igreja afeta o governo, e vice-versa", ela explica a um assessor do presidente, cobrando a liberação de verbas.

Criada pelo cineasta Marcelo Piñeyro (de "Kamchatka" e "Plata Quemada") e pela roteirista Claudia Piñeiro, "Vosso Reino" é dessas séries imbuídas da missão de fazer um alerta. Não tem, por isso, a sutileza entre as suas maiores qualidades.

Curiosamente, na mesma semana, a Netflix também lançou a série documental "O Cerco de Waco", que descreve o conflito entre o FBI e os integrantes de uma seita comandada por um suposto messias, no Texas, durante 51 dias, em 1993. A ação terminou com a morte de quatro policiais e o suicídio coletivo de 76 membros do grupo, incluindo 25 crianças.

Com direção de Tiller Russell, a série conta com imagens impressionantes dos bastidores da ação. Elas mostram a falta de sintonia entre os agentes que buscavam negociar uma solução pacífica e os que apostavam no uso da força para resolver o impasse.

Cena da série documental 'O Cerco de Waco', da Netflix
Cena da série documental 'O Cerco de Waco', da Netflix - Reprodução

Também chama a atenção o fato de que os sobreviventes que falam no documentário parecem ainda acreditar em David Koresh. O líder messiânico tinha várias mulheres, algumas menores de idade, e mantinha armamento pesado no seu complexo.

Montado em ritmo de filme de ação, com apenas três episódios (outra qualidade), "O Cerco de Waco" parece assustadoramente atual.

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