Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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'Succession' e 'Ted Lasso' trouxeram visões opostas sobre a realidade

O enfrentamento entre o vírus do sucesso de uma e a vacina humanista de outra

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Espero não estar dando nenhum spoiler ao escrever que "Succession" terminou da melhor forma possível – e da pior também.

Foi um final à altura do que a série exibiu de melhor ao longo de quatro temporadas: em especial, o roteiro para adultos, de altíssima qualidade, entre os mais sofisticados já escritos para a televisão.

Só alguém muito ingênuo poderia esperar do criador Jesse Armstrong um final redentor para a saga que expôs as vísceras de uma família comprometida basicamente com o dinheiro. Em outras palavras, seria surpreendente se o espectador não se sentisse mal ao final.

Sem reviravoltas, apenas coerência, o episódio derradeiro acrescentou novas doses de amargor a um gosto que o público já tinha na boca desde as cenas iniciais da primeira temporada. Como resumiu o diário britânico The Guardian: "Provavelmente o final mais triste da história da TV" (Em inglês soa melhor: "Probably the most feel-bad ending in TV history").

Um final anunciado há muito tempo pelo bilionário Roy Logan, que disse aos quatro filhos completamente idiotas que criou. "Eu amo vocês. Mas vocês não são pessoas sérias."

Ainda que temperada com doses de sátira, "Succession" buscou retratar, sempre, o pior daqueles tipos. Mesmo Shiv, que ensaiou ter preocupações com o impacto que a empresa de mídia do pai poderia ter sobre a democracia americana, deixou claro em diferentes situações que o mais importante mesmo era ter poder e grana.

Cena da quarta temporada da série 'Succession', com Jeremy Strong, Kieran Culkin e Sarah Snook (Shiv) - Divulgação/HBO

A grande lição do último episódio de "Succession" foi justamente não ter feito nenhuma concessão ao espectador. Nos dias de hoje, manter um compromisso dessa ordem é tão raro quanto ver uma arara-azul-de-lear no Raso da Catarina.

Por um desses acasos que parecem obra de santa Clara, a padroeira da televisão, nesta semana também terminou a terceira temporada de "Ted Lasso". Embora não haja confirmação oficial, tudo indica que seja o fim definitivo da série.

A coincidência chama muito a atenção por que a comédia criada e protagonizada por Jason Sudeikis é uma espécie de vacina contra o vírus propagado por "Succession".

Ted Lasso é um caipira do Kansas que exercia a profissão de técnico de futebol americano até ser convidado —e aceitar— para comandar um time de futebol na Inglaterra, o fictício AFC Richmond. Lasso não conhece patavina do esporte.

Rebecca Welton, a dona da equipe, contratou Lasso na expectativa de que ele afundasse o Richmond. A ideia dela, que obviamente dá errada, era se vingar do dono anterior do time, seu ex-marido canalha.

Ted Lasso comanda o time na base do bom senso e da autoajuda. Sonhando com um mundo melhor, ele dosa lições de humanismo com outras de sabedoria de manual, sempre reforçando a ideia de que é preciso acreditar em si e colaborar com o próximo.

Brett Goldstein (Roy Kent), Brendan Hunt (Coach Beard) e Jason Sudeikis (Ted Lasso) em cena da terceira temporada de 'Ted Lasso' - Apple TV+

Lasso acredita no efeito terapêutico do perdão e da segunda chance e insufla os seus comandados a serem, antes de tudo, felizes. Ganhar uma partida nunca é o objetivo, mas uma consequência.

A série integra um subgênero que muitos chamam de "feel good TV" e evoca a exaltação das boas virtudes do cinema de Frank Capra. Sendo otimista, o que não costumo ser, eu diria que o apoteótico episódio final de "Ted Lasso" eventualmente arrancaria lágrimas até do implacável Roy Logan. Ao menos, é um bom antídoto ao "feel-bad ending" de "Succession".

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