Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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A expansão da Netflix e a perda de viço de 'Black Mirror'

Sexta temporada da série distópica dá nítidos sinais de cansaço

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Alerta!!! Alerta!!! Esta parte inicial do texto contém spoilers das cinco primeiras temporadas de "Black Mirror".

Desde 2011, Charlie Brooker convive com uma glória e uma responsabilidade. Em dezembro daquele ano foi ao ar no Channel 4 britânico o primeiro episódio de "Black Mirror", uma série distópica que imagina diferentes pesadelos causados pela tecnologia.


Intitulado "Hino Nacional", o episódio de estreia gira em torno do sequestro de uma integrante da família real. Para que ela não seja assassinada, o sequestrador faz apenas uma exigência: o primeiro-ministro do Reino Unido deve manter relações sexuais com um porco em rede nacional de televisão – o que ele faz.

Tão chocante quanto brilhante, "Hino Nacional" é uma obra-prima da televisão, dessas difíceis de serem repetidas. O sucesso deste episódio e dos dois outros que formaram a primeira temporada, fizeram de "Black Mirror" uma série cult, inicialmente restrita ao público britânico.

Essa situação não durou muito. Após uma segunda temporada, igualmente com três episódios, em 2013, a Netflix "roubou" Brooker do Channel 4 e o apresentou às muitas plateias da sua plataforma global de streaming. Lançada em 2016, com seis episódios, a terceira temporada ainda mantém o frescor –e o terror– da obra original.

Num episódio, "Perdedor", todos os cidadãos são avaliados o tempo todo por notas de 0 a 5, em todas as suas atitudes, como se fossem motoristas de Uber. Em outro, o premiado "San Junipero", Brooker imagina um mundo virtual, no qual as pessoas mortas podem transferir suas consciências e conviverem.

De lá para cá, "Black Mirror" se tornou uma presença constante no cardápio da Netflix. O roteirista entregou duas novas temporadas em 2017 e em 2019, além de um filme insosso, "Bandersnatch", em 2018, no qual oferece ao espectador a opção de escolher inúmeros desdobramentos da trama.

Coincidência ou não, desde a quarta temporada parece haver uma correspondência entre a necessidade de expansão da plataforma de streaming e a perda de viço da série. Essa impressão ganhou reforço com o lançamento, na semana passada, da sexta temporada.

Seguindo uma tradição, Brooker busca impressionar o espectador logo de cara, com um primeiro episódio de impacto. E que impacto: "Joan É Péssima" imagina um terror causado pela própria Netflix.

Alerta!!! Alerta!!! Esta parte final do texto contém spoilers da recém-lançada sexta temporada de 'Black Mirror'.

Ao final de um dia comum (café da manhã monótono com o namorado, um gesto de crueldade no escritório e um encontro furtivo com o ex), Joan chega em casa, conecta a Netflix, apelidada de Streamberry, e assiste a um episódio de uma série que reproduz todas as suas atividades naquele dia. Quem interpreta Joan na série é a atriz Salma Hayek


Ao procurar uma advogada, Joan é informada que os "termos e condições" da Streamberry, que ela assinou, autorizam a plataforma de streaming a usar a sua imagem como bem entenderem. Salma Hayek também quer acionar judicialmente a empresa, mas igualmente não pode.

O que parece ser uma crítica pesada à Netflix, na verdade, é um aceno carinhoso. A executiva que representa a Streamberry é claramente uma caricatura. Nenhuma questão realmente significativa sobre a plataforma é colocada em pauta pelo episódio. Não por acaso, a empresa autorizou de bom grado a adaptação da sua logomarca e o uso da marca sonora, o "tudum".

Da mesma forma, o segundo episódio, "Loch Henry", visto como uma crítica à onda de séries sobre "true crime", também passa longe de incomodar quem, como a Netflix, está surfando na moda.

Ainda que contenha muitos ingredientes capazes de agradar aos fãs, "Black Mirror" está dando nítidos sinais de cansaço.

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