Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu

Campanha de desinformação

Ação contra Jovem Pan discute se jornalismo opinativo pode gerar desordem

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A mais extensa e contundente análise de mídia produzida recentemente no Brasil não foi feita por nenhum crítico especializado, mas por dois procuradores da República. Está à disposição de quem tiver estômago para ler no site do Ministério Público Federal.

Atendo-se à programação da Jovem Pan entre 1º de janeiro de 2022 e 8 de janeiro de 2023, Yuri Corrêa da Luz e Ana Letícia Absy argumentam que o jornalismo opinativo pode gerar caos e desordem.

O deputado federal eleito Nikolas Ferreira segura placa com a inscrição 00 dias sem censura no programa Pânico, da Jovem Pan
O 'Pânico', programa que ganhou espaço na TV aberta e hoje está na TV Jovem Pan News, foi criado no rádio, onde é veiculado ainda hoje; aqui, a equipe festeja a presença do então recém-eleito deputado federal Nikolas Ferreira - Reprodução Twitter Nikolas Ferreira - 28.out.2022

Em 214 páginas, demonstram como a rádio veiculou de forma sistemática toneladas de "conteúdos desinformativos" a respeito do funcionamento de instituições públicas do país, "contextualmente atrelados a conteúdos incitatórios à violência e à ruptura do regime democrático brasileiro".

Uma frase de Hannah Arendt serve de epígrafe ao documento, que termina com o pedido de cassação de três rádios do grupo: "O resultado da total e consistente substituição da verdade dos fatos por mentiras é que, com isso, se destroem os sentidos com base nos quais nos orientamos no real".

Destacados em 140 páginas da ação civil pública, os trechos selecionados por Luz e Absy caracterizam o que chamam de "abusos da liberdade de radiodifusão". Veiculando notícias falsas, dizem, comentaristas de quatro programas da JP "engendraram riscos concretos à ordem pública".

Segundo os procuradores, esses comentaristas caluniaram membros dos poderes Legislativo e Judiciário, incitaram a desobediência da legislação e de decisões judiciais, bem como a rebeldia e a indisciplina das Forças Armadas e de forças de segurança pública, "fazendo propaganda de processos de subversão social".

Isoladamente, são falas que poderiam ser caracterizadas como "jornalismo opinativo" —um jornalismo raivoso, em defesa cega de Bolsonaro, protegido no princípio constitucional da liberdade de expressão.

Porém, pela repetição sistemática, ao longo de mais de um ano, esses comentários representam "verdadeiras ‘campanhas de desinformação’, que, engendrando cenários de ‘desordem informacional’ ou de ‘caos informativo’, trazem consigo graves riscos à sociedade, em diferentes planos".

Os incidentes ocorridos antes e depois das eleições de 2022 reforçam o argumento descrito na ação civil, segundo o qual os conteúdos veiculados pelo rádio "incentivaram a população à subversão da ordem política e social, e que legitimavam insurgências em curso, como as que o país viu, atônito, eclodirem entre outubro de 2022 e 8 de janeiro de 2023".

Além da cassação de duas concessões de rádios AM, em São Paulo e Brasília, e uma permissão de FM, em São Paulo, o Ministério Público pede indenização por "danos morais coletivos" no valor de R$ 13,4 milhões, correspondente a 10% dos ativos da Jovem Pan, e a veiculação por quatro meses de mensagens de esclarecimento sobre o sistema eleitoral e as instituições brasileiras.

A Jovem Pan classificou a ação do MPF como forma de censura. "Defender o fechamento de veículo de imprensa é um atentado contra a democracia que só se viu em regimes fascistas, nazistas, soviético, enfim, toda sorte de regimes autoritários. Diga não à censura hoje para não se envergonhar de ser brasileiro amanhã."

Em apoio, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Abert, classificou como "muito preocupante" a ação. "O cancelamento da outorga de radiodifusão é medida extrema e grave, sem precedentes em nosso Estado Democrático de Direito", declarou.

Qualquer que seja o resultado do caso, a peça do MPF merece a atenção de quem se interessa e estuda o jornalismo e a comunicação social.

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