Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mauricio Stycer
Descrição de chapéu Televisão

'White Lotus' conforta o espectador ao mostrar ricos como cretinos

Quem vê a série recebe a beleza do cenário pelo preço de conviver com personagens neuróticos e egoístas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Há tantas séries de televisão dedicadas a expor o mundo dos ricos que é possível dizer até que formam uma espécie de gênero. São quase sempre dramas temperados com humor ("dramédia"), altamente satíricas, eventualmente caricatas.

"Downton Abbey" e "Succession" estão possivelmente entre as realizações mais bem-sucedidas neste campo. Ambas falam de ricos inalcançáveis pelo ser humano comum, a primeira na Inglaterra do início do século 20 e a segunda nos Estados Unidos de hoje.

casal sentado em mesa à beira da praia
Cena da segunda temporada da série 'The White Lotus' - Fabio Lovino/Divulgação

Há um outro conjunto de séries que buscam retratar ricos um pouco mais próximos do chão. Penso, por exemplo, em "Big Little Lies", "Nove Desconhecidos" e "The White Lotus". São séries que, de alguma forma, produzem o efeito de confortar o espectador. Seus belos protagonistas são inseguros e cretinos, eventualmente cruéis, canalhas e tão idiotas como a gente gostaria que eles fossem.

O que coloca "White Lotus" num patamar superior, na minha opinião, é o esforço do criador da série, Mike White, de apresentar os seus ricos em paralelo com aqueles que os servem, o "andar de baixo", como retratado literalmente por Julian Fellowes em "Downton Abbey".

As duas temporadas de "White Lotus", na HBO, obedecem a um mesmo formato, com histórias ambientadas em resorts de luxo; a primeira no Havaí, a segunda na Sicília. Ambas logo avisam que ocorreu um crime no local, deixando no ar o mistério que só será esclarecido no final.

O espectador é convidado a acompanhar o cotidiano dos pequenos grupos de hóspedes. Nesta segunda temporada, há dois jovens casais, três homens de gerações diferentes de uma mesma família, uma ricaça solitária e sua assistente, todos americanos, e um grupo de amigos gays, liderado por um inglês. Ao redor deles, há os funcionários do hotel e duas jovens prostitutas, todos italianos.

Tanya, a ricaça vivida por Jennifer Coolidge, é a única personagem que o espectador já conhecia. É um tipo tão fascinante quanto deplorável, que vive um palmo acima do chão, aparentemente por efeito de remédios, incapaz de enxergar as pessoas ao seu redor.

Na primeira temporada, ela alimentou a expectativa de uma funcionária do resort de que criaria um spa para ela administrar. E desistiu da ideia sem qualquer consideração pela mulher. Nesta temporada, ela viaja em companhia de uma jovem assistente, tratada com desprezo, que tem a função de apoiá-la nos momentos de maior fragilidade emocional.

Mais ainda que "Big Little Lies", "White Lotus" também apresenta uma estética publicitária, quase de promoção turística, com a exibição constante de paisagens espetaculares e cenas de lazer em palácios de luxo, iates e bares à beira da piscina. Olhando pelo lado positivo, é como se o espectador estivesse recebendo um adicional de beleza pelo preço de conviver com personagens tão neuróticos e egoístas.

Em 2021, numa entrevista à revista New Yorker, Mike White explicou a sua intenção com "White Lotus": "Achei interessante tentar entrar na cabeça de quem tem mais dinheiro e um pouco mais de poder. São pessoas que poderiam fazer algo sobre a desigualdade. Eu queria tentar entender por que eles não querem fazer algo a respeito, por que ficam na defensiva e o que usam para justificar a complacência e o medo da mudança. E fazer isso de uma maneira que parecesse crível". Parece crível, sim.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.