Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Ao revisitar passado, Globo percebe que já foi mais ousada

Atual crise, a maior já enfrentada, coloca em questão o formato de novelas

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Um dos produtos mais caros da televisão, a novela se constituiu, com o tempo, no principal entretenimento do brasileiro e construiu a reputação de ser uma espécie de agente provocador, levando à tela temas polêmicos e enfrentando tabus.


Estudiosos de diferentes áreas concordam que, em pelo menos dois campos fundamentais, as novelas cumpriram um papel importante na promoção de ideais progressistas: o da igualdade dos direitos da mulher e o da denúncia da discriminação racial.

Já a bandeira do combate à homofobia, também presente há quatro décadas, sempre enfrentou mais resistências e ainda provoca curto-circuito sempre que aparece em algum folhetim.

O alentado dossiê sobre novelas publicado em quatro páginas na Ilustríssima neste sábado (21) reforça a ideia de que este gênero permanece relevante na televisão brasileira. E indica, como já ocorreu em outros momentos, que enfrenta uma crise.

Realizada em bases industriais, toda novela é resultado de uma luta permanente entre as intenções do autor, o humor do público e as estratégias da empresa.


Para se tornar a principal produtora desde a década de 1970, a Globo formou um quadro grande, heterogêneo e bem remunerado de autores, foi pioneira na realização de pesquisas para aferir os interesses dos espectadores e maximizou os seus lucros com a exibição de até cinco folhetins por dia.

A atual crise, a maior já enfrentada, coloca em questão o próprio formato. Quem assiste tantas novelas? Não deveriam ser mais curtas? Mas, sendo mais curtas, serão rentáveis?

A revolução digital alterou a forma de consumo das novelas. O espectador hoje pode assistir apenas os trechos que lhe interessam em cada trama. Faz isso na hora que quer, no aparelho de sua preferência. Para atenuar o efeito disruptivo das novas formas de consumo das tramas, a Globo está investindo em soluções de publicidade mais modernas.

Ao lado da oferta cada vez maior de novelas antigas no Globoplay, a empresa também segue investindo na produção de "remakes" de tramas de sucesso do passado. Por quê?

O dossiê produzido pela Ilustrada toca em problemas relacionados a estes. Ao revisitar o passado, seja exibindo novelas clássicas, seja refazendo-as, a Globo está se dando conta de que já foi mais ousada.


A emissora ainda não se recuperou do susto causado pela reação a uma cena de carinho e beijo de duas senhoras, com duração de 15 segundos, no primeiro capítulo de "Babilônia", em março de 2015.

Grupos evangélicos mais conservadores mostraram as garras naquele momento, pedindo boicote à emissora. Bolsonaro captou a mensagem antes mesmo da campanha eleitoral e ajudou a difundir uma palavra de ordem que se tornou "mainstream" nos seus anos de governo: "#Globolixo.

Os melhores autores da Globo sempre foram pragmáticos. Sabem que são o elo mais fraco nesta disputa. Sem ignorar que o público pode reclamar, se arriscaram escrevendo cenas mais fortes. Ao mesmo tempo, nunca perderam de vista que eram funcionários de uma empresa. É a regra do jogo.

Os cortes em cenas de beijos entre personagens homossexuais em novelas atuais, bem como a eliminação de cenas consideradas violentas ou com alusão a racismo de novelas do passado, mostram o esforço da emissora em atender a diferentes grupos de pressão.

O excesso de cautela da Globo decorre, também, do impacto que a revolução digital está promovendo nos seus negócios. É muito problema para resolver ao mesmo tempo.

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