Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Televisão Congresso Nacional

Quando o assunto é streaming, Tio Sam não conhece a nossa batucada

Netflix diz que cota de tela, que é discutida no Senado, pode reduzir a qualidade de suas séries e filmes produzidos no Brasil

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Presente no Brasil desde 2011, a Netflix começou a investir em produção de conteúdo brasileiro somente em 2016, com a série "3%". Nos seis anos seguintes, até 2022, a empresa afirma ter investido "mais de R$ 1,5 bilhão" em produções feitas no país.

Esse valor foi mencionado no último dia 13, no Senado, numa audiência pública da Comissão de Educação e Cultura que discute um projeto de lei com o objetivo de regulamentar as plataformas de streaming no Brasil.

Personagens da série "3%", da Netflix - Divulgação

Mariana Polidorio, diretora de políticas públicas da Netflix, afirmou que a empresa apoia a regulamentação, desde que "seja também consistente com a oferta e demanda de produções locais; que não limite a inovação no setor e que não promova distorções artificiais na competição".

Em relação a uma das questões mais delicadas, o estabelecimento de uma cota, um percentual obrigatório de conteúdo brasileiro nas plataformas, a representante da Netflix manifestou contrariedade.

"Não faz tanto sentido quanto na TV aberta, na TV por assinatura ou no cinema", disse Polidorio. Segundo ela, nestas outras "janelas", há uma limitação de tempo e espaço, o que não existe num serviço de vídeo sob demanda. "No VoD, os catálogos são potencialmente infinitos", disse.

Segundo Polidorio, a cota de tela em plataformas de streaming –que a Netflix acatou em todos os países onde já foi estabelecida, na Europa–, teria dois efeitos negativos.

"Uma empresa poderia acatar a cota simplesmente reduzindo a sua oferta de estrangeiros", disse. "Poderia estimular uma pulverização do nosso investimento num número maior de obras, mas que não necessariamente são obras com a qualidade ou o padrão que a gente entende que são de interesse do nosso cliente, consumidor".

Esse segundo argumento não me convence. Qualidade e padrão são tópicos subjetivos, mas não creio exagerar se digo que, em relação ao conteúdo brasileiro que já produziu, a Netflix não passou até hoje do nível regular nestas duas matérias.

Buscando reforçar a ideia de que mais importante do que cota é o investimento direto em conteúdo, três semanas depois da audiência no Senado, a Netflix divulgou que pretende investir R$ 1 bilhão em séries e filmes brasileiros em 2023 e 2024.

Em entrevista ao Valor Econômico, Elisabetta Zenatti, vice-presidente de conteúdo da Netflix Brasil, realçou que a minissérie sobre Ayrton Senna, com estreia prevista para o ano que vem, é a produção mais cara já feita pela empresa: "Nossa estratégia, não só no Brasil como na América Latina, é fazer esses investimentos em séries grandiosas como nunca foram feitas", disse.

Convertido em moeda americana, o investimento de R$ 1 bilhão prometido pela Netflix para estes dois anos no Brasil equivale a cerca de US$ 200 milhões, um valor pequeno frente ao investimento total em conteúdo de US$ 17 bilhões previsto para 2023.

Para efeitos de comparação, em abril a empresa divulgou um plano de investimento de US$ 2,5 bilhões pelos próximos quatro anos na Coreia do Sul.

A Netflix tem pouco mais de 1 milhão de assinantes na Coreia e, estima-se, cerca de 20 milhões no Brasil. Isso confirma que a lógica do investimento não está relacionada ao número de assinantes.

O foco é o potencial de aceitação de conteúdo local no mercado global. Em outras palavras, conteúdos coreanos, como "Round 6" e inúmeros melodramas seriados, têm se mostrado altamente atraentes para clientes da empresa em todo o mundo, o que não ocorre, nem de longe, com produções brasileiras.

A minissérie sobre Senna, aparentemente, será uma tentativa de a filial brasileira mostrar o seu valor. Espero que consiga. Porque, parafraseando o samba de Assis Valente, o Tio Netflix ainda está querendo conhecer a nossa real batucada.

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