Fundada em 2018, a produtora americana Higher Ground é um caso de sucesso extraordinário. Ganhou um Oscar com o documentário "Indústria Americana" em 2020 e disputou o prêmio novamente no ano seguinte com "Crip Camp: Revolução pela Inclusão". Este ano, dois filmes que trazem os seus créditos vão disputar a estatueta —"Sinfonia Americana" na categoria de canção original e "Rustin" na de melhor ator.
A Higher Ground —terreno mais elevado, em tradução literal— é projeto do ex-presidente americano Barack Obama e de sua mulher, Michelle. Ambiciosos, eles se propõem a "contar histórias poderosas que entretêm, informam e inspiram, ao mesmo tempo em que elevam vozes novas e diversas na indústria do entretenimento".
A empresa nasceu ancorada num acordo de produção e distribuição com a Netflix. Os valores nunca foram revelados, mas contratos semelhantes entre serviços de streaming e celebridades de destaque, segundo o The New York Times, "valem dezenas de milhões de dólares" ao longo de vários anos.
Seja produzindo, seja distribuindo, o casal vem se dedicando mais a documentários com pretensão de análise sociológica e investigação histórica.
O cardápio, bem variado, inclui "Crip Camp", sobre um acampamento de férias que acolhia crianças com deficiências, e "Descendant - O Último Navio Negreiro", sobre a descoberta dos restos do Clotilda, último navio que levou escravos para os Estados Unidos, e o impacto que esse achado teve sobre uma comunidade negra americana.
O maior destaque até hoje era o filme vencedor do Oscar, "Indústria Americana", que mostra a transformação de uma antiga fábrica da GM numa indústria moderna, fabricante de vidros para veículos, comandada por um empresário chinês. Dirigido por Steven Bognar e Julia Reichert, o filme põe em relevo as abissais diferenças entre as culturas americana e chinesa na gestão de uma empresa deste tipo.
O mesmo tema voltou a ser explorado na minissérie "Trabalho", de 2023. Em quatro episódios, a produção conta histórias sobre a relação de diferentes figuras com as suas profissões e ocupações, destacando as transformações que vem ocorrendo, incluindo a precarização do trabalho.
Ainda que exponham uma visão de mundo humanista e progressista, as produções do casal Obama evitam discussões políticas mais explícitas. Na busca pela comunicação com o maior número de pessoas, eles entendem que precisam se afastar da partidarização ou da polarização política.
Dois lançamentos ocorridos no final de 2023, porém, chamam a atenção por tangenciar mais claramente o campo da política contemporânea.
Em "O Mundo Depois de Nós", uma ficção científica que descreve uma situação apocalíptica, o personagem que mais chama a atenção é o empreiteiro Danny, vivido por Kevin Bacon. Tudo indica que a figura representa um seguidor do ex-presidente Trump. De boné, com arma na mão e diante da bandeira americana, ele ajuda a difundir teorias da conspiração e fake news sobre os "inimigos" dos Estados Unidos.
Já em "Rustin", cinebiografia sobre um ativista dos direitos civis, amigo de Martin Luther King, os paralelos com a realidade atual são só sugeridos. Vivido por Colman Domingo, Rustin organizou a histórica marcha em Washington, em 1963. Ele enfrenta preconceitos por ser abertamente gay e não baixar a cabeça para brancos.
Presidente de 2009 a 2017, Obama está imbuído de uma missão ativista com a Higher Ground. Vale a pena prestar atenção no que ele e Michelle têm a dizer neste momento.
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