Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Televisão

Ator de 'Mad Men' diz que protagonista foi celebrado pelos motivos errados

Personagem compõe a santa trindade dos anti-heróis da TV dos anos 2000 junto aos de 'Breaking Bad' e 'Família Soprano'

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Se você gosta de efemérides, anote aí: o fim de "Mad Men", uma das melhores séries já feitas, completará dez anos em 17 de maio do ano que vem. Jon Hamm, que interpretou o publicitário Don Draper ao longo das sete temporadas, abriu as comemorações esta semana.

Comemorações é modo de dizer. Numa entrevista à publicação Hollywood Repórter, o ator fez uma observação que pode decepcionar parte dos fãs. "O personagem foi celebrado pelos motivos errados", lamentou. "As pessoas pensavam que Don era um modelo de masculinidade ou algo assim."

ilustração de homem passando por ele mesmo
Pôster da série 'Mad Men', criada por Matthew Weiner - Reprodução

"Mad Men" se passa ao longo da década de 1960 em Nova York. Draper é o gênio criativo da fictícia agência de publicidade Sterling Cooper, na Madison Avenue. Elegante, sedutor, bonito, mas muito longe da caracterização típica de um herói, é um tipo angustiado, atormentado e egoísta. Como chefe, é autocentrado e cínico. Péssimo marido e mau pai, esbanja machismo nas relações com as mulheres.

Draper, como foi festejado pelos fãs e pelos críticos, em resumo, era um anti-herói. Um personagem do seu tempo, complexo, que escapava de classificações fáceis, tomava decisões não óbvias e desafiava o espectador a refletir sobre os muitos sentidos de todas suas falas e ações.

A recente observação de Jon Hamm sobre o personagem ser celebrado pelos motivos errados surgiu após uma provocação de Lacey Rose, a jornalista que o entrevistou: "Muitas vezes parecia que você estava exausto com a adoração de Don Draper. Isso é uma leitura errada?" O ator concordou e acrescentou: "Jimmy Gandolfini, que eu conhecia um pouco, tinha um relacionamento semelhante com Tony Soprano, e Bryan Cranston com Walter White."

Não à toa, Hamm citou a santa trindade dos anti-heróis da TV dos anos 2000. Com roteiros engenhosos, orçamentos generosos, direção criativa e ousada, "Família Soprano", "Mad Men" e "Breaking Bad" apontaram novos caminhos para a ficção num momento em que o streaming dava os seus primeiros passos.

Sem medo de ofender os fãs mais radicais de "Mad Men", ou mesmo Mathew Weiner, o criador da série, Hamm aceitou reviver Draper em chave cômica. Ele recriou a parceria com John Slattery, que vivia o sócio Roger Sterling, no filme "Unfrosted", dirigido por Jerry Seinfeld para a Netflix.

Com esta postura nada reverencial, Hamm arrisca-se a irritar os chamados "bad fans" —maus fãs—, como caracterizou a crítica Emily Nussbaum, na revista The New Yorker. Em um texto famoso, em 2014, ela escreveu sobre os espectadores que enxergam anti-heróis, como Tony Soprano, Don Draper e Walter White, como heróis.

Ganhadora do Pulitzer por seu trabalho como crítica de TV, Nussbaum observou que esse fenômeno foi identificado originalmente pelo autor Saul Austerlitz ao escrever sobre a repercussão de "Tudo em Família", uma sitcom que fez sucesso na década de 1970. O conservador Archie Bunker, papel de Carroll O’Connor, era admirado e querido por fãs que o viam como um igual, com seus preconceitos e fragilidades.

Ao refletir sobre "Breaking Bad", Nussbaum se deu conta que a forma como ela via a série, "um drama artisticamente comovente sobre a natureza do mal", não combinava com a visão que seus seguidores expunham nas redes sociais, a de "um thriller divertido sobre um cara durão de chapéu preto".

Não deixa de ser positivo uma série gerar visões tão diferentes. Mas, realmente, é incômodo constatar que espectadores se identifiquem com o pior dos personagens.

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