Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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A COP, a Copa e os 8 bilhões

O crescimento da população no mundo vai aumentar a pressão sobre as cidades dos países mais pobres.

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No dia 15 de novembro, nasceu o bebê que completou o número redondo. Somos oficialmente 8 bilhões de humanos no mundo.

Espremida entre a Copa, as eleições e a COP27, a notícia é praticamente uma abstração. Afinal, como atinar 8 bilhões de unidades de qualquer coisa? A ordem de grandeza parece ter mais a ver com estrelas ou grãos de areia do que com pessoas. Mas, compreendendo ou não o fenômeno, ele não vai parar por aí. O mundo ainda deve ganhar quase mais 2 bilhões de habitantes até 2050.

Pessoas na rua em Nova Deli, capital da Índia, um dos países que deverá concentrar crescimento populacional - Sajjad Hussain -22.out.22/AFP

E para onde vai tanta gente? Para os países menos desenvolvidos. E mais especificamente, para as cidades dos países menos desenvolvidos. Em 2050, 7 em cada 10 habitantes morará em cidades, contra 5 hoje.

Metade desse crescimento todo estará concentrado em apenas oito países: República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Nigéria, Paquistão, Filipinas, Tanzânia e, claro, a Índia, que deve ultrapassar a China já no ano que vem. Outros 60 países, em compensação, devem assistir a uma redução da população. Bulgária, Servia, Lituânia e Ucrânia (ainda sem o efeito da guerra) serão os países com maior perda de população.

Esse confronto entre os ricos e pobres aparece em toda a parte e, quase sem querer, numa olhada à tabela da Copa do Mundo de futebol. A partir de domingo (20), teremos a chance de ver embates tão exóticos quanto Irã e Inglaterra, Holanda e Senegal, Gana e Coreia do Sul. Se o enfrentamento no campo entre nações tão diferentes é bonito, as partidas ganham dimensão simbólica quando se pensa no que vai acontecer com esses países nos próximos anos. Enquanto, na Coreia do Sul, uma mulher terá em média menos de um filho, uma ganesa deve ter uma média de quase quatro. Países pobres vão ver sua população crescer muito mais que países ricos e essa população será urbana. O desafio é como isso vai acontecer, principalmente diante de mudanças climáticas em grande escala.

Assim, saímos da Copa e chegamos à COP. Cidades não são facilmente definíveis, a categoria abrange desde a maior metrópole do mundo, Tóquio, com mais de 35 milhões de pessoas, até Serra da Saudade, em MG, o menor município do Brasil, com seus valentes 771 habitantes.

Louis Wirth, um sociólogo alemão que viveu no início do século propôs que, apesar de todas as definições, dá para assumir que uma cidade é um lugar relativamente grande, denso e com heterogeneidade de habitantes.

Então, que seja. A maior parte das novas 2 bilhões de pessoas trarão ainda mais densidade e heterogeneidade às já grandes cidades. Será possível oferecer infraestrutura para tanta gente? Será possível reduzir a desigualdade?

O tamanho da cidade em si não é o problema, defendem alguns. Ao contrário, o urbanista americano Edward Glaser afirma que a cidade é uma das soluções para a questão ambiental. A justificativa é que uma cidade compacta pode oferecer água, coleta de esgoto, energia e transporte a um custo menor do que quando cada residência está isolada das outras. É o modelo de crescimento, portanto, que faz a diferença. As cidades se expandem em três direções. Para cima, para os lados, para dentro. No mundo subdesenvolvido isso se traduz em superlotação e ocupações irregulares. O mundo tem quase um bilhão de pessoas morando em favelas e elas são cada vez maiores.

Se Paraisópolis ou Heliópolis já têm a população comparável à de cidades médias, considere a favela Kibera, em Nairobi, com 700 mil pessoas, Dharavi, em Mumbai, com 1 milhão, ou Neza, no México com 1,2 milhão de pessoas. Para não falar de Orangi Town, em Karachi, no Paquistão, que tem mais de dois milhões.

No Brasil, estima-se que teremos mais 20 ou 25 milhões de habitantes até 2050 e a partir daí, a população se estabiliza e começa a cair. Proporcionalmente ao que tivemos no passado, não parece tanto, mas a pergunta é sempre a mesma: onde e como estarão morando essas pessoas? Nas cidades grandes, é possível imaginar pressão sobre cursos de água e áreas de preservação, além é claro do aumento da demanda por alimento e água. Nas cidades médias, o risco é a expansão territorial, em condomínios de classe média ou conjuntos residenciais, ambos com efeitos ruins de espalhamento e redução da concentração urbana.

Para terminar, é bom lembrar que a disparidade que aparece entre os países é reproduzida dentro das nossas cidades. Basta pensar na expectativa de vida. No mundo, a diferença entre a expectativa de vida no Japão (85 anos) e na República Centro Africana (54 anos) é de 31 anos. É assombroso constatar que dentro de São Paulo temos uma diferença quase tão grande: quem nasce em Moema vai viver quase 81 anos, quem nasce em Cidade Tiradentes 57. Está na cara que algo precisa mudar por aqui. Agora que "o Brasil voltou", vai ser preciso pensar em soluções locais para um problema global.

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