Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Mauro Calliari

Caminhabilidade em São Paulo; lugares bons vazios, lugares ruins lotados

Tese ajuda a compreender relação entre o andar a pé e o conforto térmico, acústico e ergonômico

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Está para ser publicado um daqueles bem-vindos trabalhos acadêmicos que conseguem jogar luz e melhorar o entendimento sobre um tema essencial no cotidiano do paulistano, o andar a pé.

Trata-se de "Percursos de pedestres: caminhabilidade, conforto ambiental e planejamento estratégico", de Paula Rabelo Albala, da FAU-USP, sob orientação de Roberta Kronka Mülfarth. O estudo deve estar disponível brevemente na biblioteca online de teses da universidade.

Com uma análise acurada a partir de uma gigantesca base de dados, a tese aprofunda o caminhar em São Paulo, relacionando conforto ambiental, conforto térmico e conforto ergonômico para entender o impacto no andar a pé. O que mais impressiona no trabalho é a possibilidade de entender as diferenças entre as regiões da cidade.

De cara, comprovamos aquilo que parece intuitivo.

De um lado, há os bairros onde muita gente anda a pé, por sobre infraestruturas adequadas: República, Sé, Pinheiros, Tatuapé, Lapa. Nesses bairros, grande parte das pessoas caminha distâncias curtas até o transporte, num ambiente diverso e em calçadas razoavelmente dignas (ainda que muito aquém do desejado), com o mínimo de condições de caminhabilidade.

Pedestres caminham na calçada da avenida Pedroso de Moraes, em Pinheiros - Simon Plestenjak - 27.ago.12/Folhapress

No extremo oposto, aquelas regiões em que pouca gente anda a pé, em lugares pouco amigáveis. É o caso do Morumbi, com pouco comércio, distâncias longas até o transporte e densidade mal distribuída. Além da topografia, calçadas e segurança não ajudam o pedestre. Parece natural evitar andar a pé.

Calçada na ponte do Morumbi, na zona sul de São Paulo - Moacyr Lopes Junior - 5.mar.12/Folhapress

Outras constatações, porém, fogem do óbvio. Há várias regiões, como Perus, onde mesmo diante da falta de caminhabilidade a maioria dos deslocamentos cotidianos são feitas a pé. E o oposto talvez seja mais surpreendente: condições adequadas sem ninguém andando. É o caso da Barra Funda, que, apesar de ser plana e ter calçadas, não motiva ninguém para andar a pé.

As conclusões desse mapeamento podem ajudar a estabelecer prioridades para os investimentos públicos. Pessoalmente, acho que não há dúvidas de que é preciso melhorar a caminhabilidade na cidade inteira. Se tivermos que estabelecer prioridades, no entanto, parece fundamental priorizar os bairros onde muitas pessoas já estão andando para lá e para cá em calçadas inexistentes, ruas tomadas por carros e insegurança. A periferia de São Paulo está cheia desses exemplos, onde até o acesso a escolas, hospitais e ao transporte público parece desestimular o caminhante, com travessias perigosas, passarelas inseguras e veículos em velocidade.

O trabalho vai além e procura destrinchar com profundidade alguns bairros para entender a influência conforto acústico, térmico e ergonômico na caminhabilidade, o que inclui desde a qualidade do ambiente, declividade até a insegurança em bairros escolhidos para representar um de cada quadrante do estudo, na República, Barra Funda, Vila Anglo Brasileira e Jardim Presidente.

Algumas coisas saltam aos olhos:

Avenidas. O impacto das avenidas na caminhabilidade é tremendo. Em cada um dos bairros analisados, avenidas têm o poder de influenciar negativamente o entorno. Uma Bandeirantes, uma Jacú Pêssego, uma avenida do Estado, da maneira como são construídas, criam barreiras formidáveis aos que caminham e também afetam o comércio e a poluição atmosférica, sonora e até acústica.

As marginais são, claro, as maiores barreiras urbanas. E, apesar de ninguém pensar nelas como parte da cidade, elas acomodam estações de trem, comércio e residências onde pessoas são obrigadas a andar. Em 2021, 30 pessoas morreram em atropelamentos, colisões e quedas na Marginal Tietê, que tem o maior limite de velocidade entre todas as vias urbanas.

Conforto acústico. A cidade parece conspirar contra o sono, o descanso e o repouso mental dos paulistanos. Ao analisar os mapas de barulho, a conclusão é que estamos vivendo sempre no limite ou acima do limite do suportável, com lugares beirando os 80 ou 90 dB, que podem gerar sequelas permanentes. Apenas nas ruas com trânsito local os níveis de ruído caem.

As ruas de pedestres são um refresco para os ouvidos: mesmo no centro da cidade, os calçadões são os únicos trechos onde o barulho fica abaixo dos 50 db.

Conforto térmico. A pesquisa trabalhou com mapas detalhados de calor, rua a rua para as regiões estudadas, comparando temperaturas máximas no verão e mínimas no inverno. Ruas sem árvores, como vemos no Brás ou Pari, por exemplo, serão insuportáveis no verão. Com o aquecimento global, a experiência de sair a pé será ainda mais feroz.

Um pequeno alento do trabalho é que ele simula como esse índice de caminhabilidade poderia melhorar a partir de medidas simples.

Tomando a Barra Funda como exemplo, é possível tornar o andar a pé muito mais atrativo com medidas simples: diminuir um pouco a velocidade dos carros nos grandes eixos, melhorar a segurança nas travessias, priorizar o entorno das estações e incluir alguns trajetos de pedestres no miolo das quadras.

Com um passo além, de médio prazo, a troca de 30% da frota de veículos traria melhoria sensível no conforto térmico e acústico, melhorando a experiência para quem anda a pé, mas também, claro, a de todos os que moram ou frequentam o bairro

Falando em bairros, o trabalho faz pensar também na dificuldade de lidar com as diferentes escalas em São Paulo. No momento em que estamos discutindo o Plano Diretor, um conjunto quase infinito de boas intenções, parece tão ou mais importante incluir a microescala na conversa nos tão esquecidos planos de bairro. É ali que coisas "pequenas" como árvores, calçadas, travessias, barulho, pontos de ônibus podem ser modificados para tornar melhor a vida de quem anda a pé, que, não custa lembrar, somos quase nós todos.

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