Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Posição social pode ficar intolerável à medida que avançamos

Padrões de vida precisam acompanhar mudanças nas aspirações

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Até onde vai o poder dos outros em nós é uma grande incógnita. Ainda mais quando consideramos que expressiva parte dessa influência começou antes de termos nascido. Nossos antepassados moldaram uma construção de mundo. Nela, colocaram suas crenças e valores. Ao nascer, herdamos a influência dessa obra inacabada com suas belezas e fragilidades. E, a cada dia, nos é dada a oportunidade de transformá-la em nossa breve passagem por aqui.

Esse contínuo processo de transformação tem como uma de suas forças motrizes as aspirações. Entender como nossas vontades são forjadas possibilita ampliar a compreensão não somente em relação àqueles que nos rodeiam mas também a nós mesmos. Além disso, é um conhecimento relevante para avançarmos na direção de políticas públicas que impactem positivamente a vida dos mais desfavorecidos. Felizmente, já faz algum tempo que pesquisadores de várias áreas do conhecimento têm se debruçado sobre essa temática.

No livro "Understanding Poverty", organizado por Abhijit Banerjee, Prêmio Nobel em Economia em 2019, há um interessante capítulo voltado para discutir a formação de aspirações e o seu papel no comportamento humano. Escrito por Debraj Ray, professor da Universidade de Nova York, o economista se apoia no trabalho do antropólogo Arjun Appadurai para descrever um conjunto de fatores que moldam nossas vontades. Entre eles, destacam-se as vidas, as realizações e os ideais daqueles com quem temos algum contato.

Isso faz com que considerável parte de nossas aspirações seja socialmente determinada. Os desejos individuais surgem por meio da experiência e da observação. Usamos nossos pares para fazer comparações. Nesse cenário, é natural aspirarmos por melhores condições de vida. Porém, dependendo do momento de nossas trajetórias e posição social, as vontades mudam ou são complementares.

Os mais desfavorecidos costumam aspirar por maior dignidade.

Já aqueles que se encontram confortáveis em relação às necessidades materiais básicas tendem a procurar ampliar o reconhecimento, a visibilidade e, em determinados casos, o poder político. E, não raramente, também há aqueles que desejam dominar os outros com motivação religiosa ou étnica.

Nesse contexto, o que orientaria o comportamento voltado para o futuro? Debraj Ray argumenta que não são as aspirações em si, mas a lacuna de aspirações, ou seja, a diferença entre o padrão de vida a que se aspira e aquele que o indivíduo já tem. Essa lacuna seria uma espécie de medida do quão longe queremos ir.

Jean Galvão

Entretanto, uma lacuna de aspirações muito grande ou baixa pode afetar negativamente os esforços individuais. A explicação é simples.

Quando nosso padrão de vida está próximo do que aspiramos, temos pouco incentivo para elevar o padrão. O comportamento de parcela da elite brasileira, por exemplo, ajuda a ilustrar esse caso. Entretanto, quando o padrão está muito distante, qualquer investimento individual fará com que percorramos apenas uma parte do caminho.

Esse cenário teórico traz uma importante implicação econômica. Trabalhar as aspirações de cada segmento da sociedade pode levar a um impulso nos desenvolvimentos individuais.

Contudo, existe um outro potencial efeito negativo. Quando ampliamos demais as aspirações da população, também cometemos o risco de gerar frustração generalizada.

Se os padrões de vida não acompanharem as mudanças nas aspirações, as tensões sociais podem ampliar-se e ter desdobramentos políticos disruptivos e, eventualmente, violentos. A Revolução Francesa é um exemplo. Segundo o pensador Alexis de Tocqueville: "Os franceses acharam sua posição ainda mais intolerável à medida que se tornava melhor".

O texto é uma homenagem à música "Meus Filhos, Meu Tesouro", de Jorge Ben Jor.

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