Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Mulheres do fim do mundo

Brutalidade da violência de gênero está longe de ser resolvida

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Aos 12 anos de idade, ela foi obrigada pelo pai a se casar. Dois de seus filhos morreram de fome. Em certo momento, seu marido tentou matá-la. Aos 21 anos, ficou viúva. O segundo casamento foi com o jogador de futebol Mané Garrincha. Uma relação conturbada que durou 17 anos. Marcada por diversas agressões por parte do jogador.

As violências sofridas na vida da cantora Elza Soares se confundem com a de milhares de outras brasileiras. Os dados relacionados à violência contra mulher mostram que ainda temos um longo caminho a percorrer no combate à brutalidade da violência de gênero que assola o país.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano de 2022 apontaram um aumento em todos os indicadores de violência contra a mulher no Brasil. Durante a pandemia, a chance de feminicídio mais que dobrou. Estima-se que cerca de 70% das vítimas sejam mortas dentro das próprias casas. Parceiros íntimos são os principais responsáveis.

Entretanto, engana-se quem acredita que as mulheres são passivas às agressões. Há uma avaliação calculada por parte de muitas delas. Em vários casos, o medo de retaliação faz com que elas permaneçam com os agressores com o intuito de proteger a si mesmas e aos filhos.

A dependência financeira é outro fator relevante. Várias abandonam suas carreiras para cuidar dos filhos e dos lares. Assim, muitas delas sentem receio de não conseguir se sustentar sozinhas.

Há outros fatores emocionais. O amor, por exemplo, tende a alimentar a esperança de mudança. Momentos de calmaria e promessas fazem com que muitas tolerem pequenos abusos. Abusos esses que tendem a aumentar gradativamente. Em diversas situações, elas não encontram amparo nem com os familiares mais próximos. Assim, se veem presas a uma situação para a qual não encontram saída.

Além disso, normas sociais e expectativas de gênero ainda encontram considerável espaço na geração de relacionamentos tóxicos. A associação que muitos fazem entre masculinidade e dominação leva a relações prejudiciais. Nesse contexto, a aceitação social a comportamentos abusivos faz com que a reprodução de práticas nocivas ocorra com naturalidade.

É um ciclo de perpetuação de abusos difícil de conter. Estudos sugerem uma correlação entre a exposição à violência na infância e sua reprodução na vida adulta. Esse é o caso de muitos lares brasileiros. Adicionalmente, o consumo de álcool e drogas tende a potencializar a violência, visto que pode reduzir o controle aos impulsos.

Fora de casa, as mulheres também não estão imunes à violência. A recorrente importunação sexual à qual elas são constantemente submetidas tende a gerar um ambiente hostil e a ter consideráveis repercussões na saúde psicológica. No trabalho, o assédio sexual afeta a produtividade das vítimas e limita seu progresso, atrofiando, assim, seu futuro.

Muitas descartam carreiras promissoras devido ao ambiente tóxico causado pelos abusos no trabalho. Nesse contexto, o assédio sexual e a maternidade são dois relevantes fatores documentados pela literatura acadêmica que levam à desigualdade salarial de gênero no mercado de trabalho. Por sua vez, essa desigualdade faz com que, no caso dos relacionamentos heterossexuais, muitas mulheres sejam relativamente submissas aos maridos.

Em 2016, Elza Soares lançou o álbum "A Mulher do Fim do Mundo", considerado por parte da crítica como o álbum de sua vida. Nesta coluna, a homenagem vai não só para o álbum como para a música "Maria da Vila Matilde" contida nessa grande obra da cantora.

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