Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg

Por que as mulheres querem um amante apaixonado e fiel?

A fidelidade é um valor essencial nos relacionamentos extraconjugais

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Estou fazendo uma faxina material e existencial (limpando os armários, organizando livros e papéis, doando roupas, bolsas e sapatos) e acabei encontrando um exemplar da Folha com uma chamada de capa e uma matéria de duas páginas sobre o meu livro "A Outra", de 1990. Parece que foi ontem, mas já se passaram 32 anos...

Minha primeira pesquisa sobre amor, sexo e traição foi "A Outra: um estudo antropológico sobre a identidade da amante de um homem casado". Desde então, entrevistei centenas de mulheres —"outras" e esposas (traídas ou não)— buscando compreender seus discursos, comportamentos e valores. Elas afirmaram que, especialmente depois dos 40 anos, "é quase impossível encontrar um homem apaixonado e fiel. Falta homem no mercado".

Para elas, a pior situação não é a da amante nem a da mulher sozinha, mas a da esposa traída. Algumas apontaram o lado positivo da relação extraconjugal: conversas íntimas e divertidas, passeios, viagens, projetos profissionais. Para as esposas traídas, segundo elas, sobrariam as "migalhas": mentiras, brigas, serviços domésticos, além do desgaste da rotina, do tédio e da "mesmice".

Mãos se estrelaçam sobre uma cama
Casal em momento íntimo - Prostock-studio - stock.adobe.com

Algumas "outras" disseram que são as verdadeiras companheiras em todos os níveis —amorosos, sexuais e intelectuais—, enquanto as esposas traídas seriam o vínculo obrigatório e tóxico do parceiro.

Apesar de serem bem diferentes, um ponto une as "outras" que eu pesquisei. Elas acreditam que seus amantes não têm mais vida sexual com as esposas, como uma professora de 50 anos:

"Um amigo do meu filho me paquerava descaradamente: ‘Você é uma mulher linda, inteligente, interessante’. Eu não dava bola, pois, além de casado, é um garoto de 27 anos. Um dia ele me deu um beijo tão delicioso que não resisti. Ele quer se separar da esposa, mas eu me sinto culpada pois ele tem um filhinho pequeno. Já tentei me separar dele, mas ele fica desesperado. Não quero ser uma destruidora de lares, mas ele já estava infeliz e querendo se separar antes de mim, só que ela ficou grávida para segurar o marido."

A fidelidade é o principal valor do seu relacionamento: "Há mais de dois anos ele não consegue transar com a esposa. Diz que só tem tesão em mim. Pode parecer mentira, mas nunca brigamos. Qual é o segredo do nosso amor? É simples: eu sou fiel como quero que ele seja. Desde o primeiro dia, ele faz questão de provar que eu sou seu único e verdadeiro amor".

É curioso observar que, mesmo em uma relação em que a infidelidade amorosa e sexual é evidente, a fidelidade aparece como o valor mais fundamental.

"Meu ex-marido só me criticava e reclamava de tudo. Ele não me enxergava mais como mulher, eu me tornei invisível para ele. E o pior de tudo: ele sempre foi infiel. Cheguei à conclusão de que sou amante de um homem casado só para provar que ainda sou desejada em uma sociedade que é cruel para as mulheres da minha idade. Sabe o que é mais importante? Tenho a certeza de que meu amante é 100% fiel."

Apesar de que ter "o capital marital" é um desejo muito presente entre as mulheres que eu pesquisei, o marido perde completamente o valor quando é infiel. Tanto para as esposas quanto para as "outras", o "capital marital" só tem valor se ele for fiel e, mais importante ainda, se elas tiverem a certeza de que são únicas e especiais para ele.

Em um mercado afetivo e sexual em que os homens apaixonados e fiéis são considerados raros, a maioria das mulheres que eu pesquisei prefere ficar sozinha ou até mesmo ter um amante fiel do que ser a esposa traída.

Portanto, o amante fiel também é visto como um capital, bem menos valorizado do que o marido fiel, mas ainda precioso porque elas acreditam (ou precisam acreditar) que ele é 100% fiel e que, portanto, elas são únicas, especiais e inesquecíveis.

Descobri, em mais de trinta anos de pesquisas com mulheres que traíram ou foram traídas, que todas querem a mesma coisa: um companheiro apaixonado e fiel que faça com que elas se sintam a "número um". Não é um paradoxo interessante?

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