Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo Todas

Como transformar tragédias em aprendizados

A filosofia como ferramenta de autoconhecimento e crescimento pessoal

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Se eu tivesse a chance de recomeçar a minha vida acadêmica, e se, aos 16 anos (a idade em que ingressei na faculdade), eu tivesse a cabeça que tenho hoje, não teria a menor dúvida sobre o curso que iria escolher: filosofia.

Fiz 21 anos de análise, li centenas de livros de psicologia, mas, nos momentos mais difíceis da minha vida, o que mais me ajuda, além de escrever compulsivamente, é ler os filósofos estoicos: Epicteto, Marco Aurélio e Sêneca.

O estoicismo me ensinou a enxergar de uma perspectiva mais positiva as situações dramáticas que me pareciam sem solução. Mais ainda, me ensinou a transformar meu medo em coragem, procurando enxergar as crises como oportunidades de autoconhecimento, aprendizado e crescimento pessoal.

Durante muitos anos tomei ansiolíticos para controlar a minha ansiedade excessiva. Quando meu pai ficou doente e cuidei dele 24 horas por dia, eu tomava três calmantes por dia. Depois que ele morreu, continuei tomando ansiolíticos para conseguir dormir antes de viagens, palestras, aulas, programas de televisão etc.

Logo no início da pandemia, parei de tomar remédios. Encontrei outros meios para me acalmar em tempos tão sombrios, principalmente por meio da escrita e da leitura de livros de filosofia e de psicologia, além das conversas diárias com meus melhores amigos: Guedes e Thais, de 98 anos.

Em outubro de 2021, iniciei um pós-doutorado em psicologia social sobre envelhecimento e felicidade. Desde então, devorei dezenas de livros sobre superação de traumas e reli muitas histórias de vidas inspiradoras, como a de Viktor Frankl no livro "Em Busca de Sentido".

Como contei nas colunas anteriores, estou bastante deprimida e angustiada depois de quase perder a vida no incêndio do meu prédio. Em meio ao pânico e desespero, acabei me lembrando de uma coluna que escrevi para a Folha (26/01/2016) com o título "Em busca de equilíbrio".

O filósofo Sêneca
O filósofo Sêneca - Reprodução

Nela, disse que confessar nossas invejas é sempre muito complicado, como constatei na minha pesquisa quando perguntei: "O que você mais inveja em um homem?"; "E em uma mulher?".

Mas não tive vergonha de confessar que eu invejo pessoas ataráxicas.

Ataraxia é um termo grego para descrever um estado lúcido e tranquilo, caracterizado pelo equilíbrio emocional, pela tranquilidade da alma e pela ausência de preocupação, inquietude e ansiedade.

Na minha fantasia, a pessoa ataráxica é tranquila, calma, paciente, serena, madura, confiante, não se deixa seduzir pela vaidade nem pelo poder, não se preocupa com a opinião e julgamento dos outros, não sente culpa ao dizer não, não sofre para provar o próprio valor, não se ressente por não ter o reconhecimento que merece, não se faz de vítima e não se paralisa pelo medo.

Ela sabe como encontrar saídas para as coisas que pode controlar e não sofre com tudo aquilo que não está sob seu controle.

Não é explosiva, intensa, tensa e ansiosa. Não é eufórica ou deprimida, não briga, não explode, não grita, não se desespera, não se irrita, não se vinga, não tem pressa. E, o que é mais invejável, não sofre de insônia.

Ela não se afeta, para o bem ou para o mal, com o que os outros pensam ou fazem. Tem sempre o foco na própria vontade e reconhece seus defeitos e erros sem grandes dramas. Não se desvia do caminho que traçou para si, mesmo quando os outros tentam destruí-la. Ela consegue deletar da sua vida todas as pessoas tóxicas, destrutivas e invejosas. Não fica deprimida com comentários desagradáveis ou com críticas agressivas. Ela simplesmente não se afeta, é imperturbável.

A pessoa ataráxica sabe que a indiferença é o melhor remédio contra a violência, a grosseria e a ignorância. E que rir de si mesma é um antídoto para inseguranças, vergonhas, preocupações e medos desnecessários.

Fico imaginando como uma pessoa ataráxica lidaria com o sofrimento de quase perder a própria vida, o companheiro, o lar, dinheiro, bens. Tenho certeza de que ela encontraria coragem para renascer das cinzas.

"O que não me mata, me fortalece", diria Nietzsche, que não era estóico.

Infelizmente, não consigo ser ataráxica. Minha angústia, meu medo e minhas noites de insônia só têm aumentado. O que fazer para encontrar equilíbrio e coragem para voltar para casa?

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