Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Todas Corpo

A Mirian não pode falar de velhos porque ela não é velha, falou Ziraldo

Afinal, será que só quem é velho pode falar de velhice?

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O jornalista Zuenir Ventura me convidou para apresentar as minhas pesquisas sobre envelhecimento, autonomia e felicidade no workshop "Afinal, o que é ser velho no Brasil?", no dia 5 de janeiro de 2015.

Ele queria que eu falasse sobre "a bela velhice" para o elenco e equipe do espetáculo "Barbaridade, o musical", uma comédia sobre as dores e delícias de envelhecer baseada na amizade de Zuenir, Ziraldo e Luis Fernando Veríssimo. Em 2015, Zuenir estava com 83 anos, Ziraldo com 82 e Veríssimo com 78.

Falei durante mais de uma hora para um público de 50 pessoas, incluindo a atriz Susana Vieira, os atores Edwin Luisi e Claudio Tovar, o diretor José Lavigne e o autor Rodrigo Nogueira.

A imagem mostra duas pessoas em um evento literário. Mirian Goldenberg é uma mulher com cabelo castanho e longo, vestindo uma blusa preta, está gesticulando e falando de forma expressiva. Ao seu lado está Ziraldo, um homem idoso com cabelo branco e uma camisa azul clara, está sorrindo e segurando um livro. Ao fundo, há prateleiras com livros e um banner com texto em destaque.
Ziraldo e Mirian Goldenberg no lançamento do livro da autora, Por que os homens preferem as mulheres mais velhas?, na livraria Travessa do Leblon - Arquivo pessoal

Com 72 anos na época, Susana Vieira concordou quando eu disse que as mulheres mais velhas não se casam de novo porque não querem cuidar de mais ninguém. E que os homens preferem as mais novas porque elas cuidam deles. Quando eu disse que uma das atitudes necessárias para envelhecer bem era não se preocupar com a opinião dos outros, a atriz gritou: "Sou a rainha disso".

Quando estava no finalzinho da minha fala, Ziraldo chegou, sentou-se ao lado de Zuenir e reclamou: "Só quem é velho mesmo é que entende do assunto. A Mirian não pode falar de velhos porque ela não é velha".

Perplexa com a afirmação do Ziraldo, que não havia escutado nadinha do que falei sobre as minhas pesquisas, me abaixei e me escondi sob a mesa. Todo mundo riu muito.

Eu já pesquisava o tema desde 1990 e, apesar de ainda não ter 60 anos, não era nenhuma menina. Não sei como consegui "brincar" com a situação constrangedora. Não me senti nem um pouco agredida ou ameaçada, nem mesmo quando Susana Vieira concordou com Ziraldo: "Verdade, só os velhos sabem o que é velhice".

Para amenizar o meu constrangimento, Zuenir brincou com as dificuldades cotidianas da velhice: "Vamos fazer uma passeata contra as pedras portuguesas e outra por um mundo sem escadas".

Ziraldo acrescentou: "A nossa história tem que surpreender. Eu, por exemplo, não tenho medo de morrer, sabia? E nem saudades da infância".

Dois dias depois, O Globo publicou uma matéria sobre o evento com uma série de três fotos minhas reagindo à observação do Ziraldo, com o seguinte título: "Unidos por um mundo sem escadas: elenco e ‘musos inspiradores’ de peça sobre velhice participam de bate-papo sobre tema". Na legenda das fotos escreveram: "Oi? Ao lado do diretor José Lavigne, Mirian Goldenberg se surpreende com a opinião de Ziraldo (‘só quem é velho entende de velhice’) e finge que vai se esconder sob a mesa".

No mesmo dia, Zuenir me telefonou pedindo desculpas. Ziraldo ligou em seguida pedindo perdão e disse que queria fazer um livro comigo. Adorei a ideia. Será que, 35 anos depois de "O Menino Maluquinho", de 1980, ele iria criar "Os Velhinhos Maluquinhos"?

No dia 30 de janeiro de 2015, Ziraldo me enviou o seguinte e-mail:

"Recebi os textos. Já estou lendo.

Aí está a sugestão para a capa do livro e o trailer (uma matéria da Bravo de novembro/2012).

Adorei seu interesse e entusiasmo.

Assim que você ordenar, começamos os serviços.

Beijão do Ziraldo"

Ele me enviou várias charges, entre elas uma que dizia: "melhoridade é a puta que pariu" e outra: "me chamam de velho... tudo bem... mas queria ser inglês para me chamarem de ‘elder’. Soa tão mais bonito, tão mais respeitoso".

Trocamos inúmeros e-mails durante mais de um ano. Infelizmente, tive um problema sério de saúde, precisei fazer uma cirurgia e não pudemos continuar com o projeto do nosso livro.

Ziraldo me escreveu no dia 3 de março de 2016:

"Jovem Mirian,

Antes de tudo vou te dizer uma coisa rara do falar brasileiro (aqui, no caso, absolutamente verdadeira): "estimo suas melhoras".

Você contando tudo tão docemente sobre sua convalescença, me dá vontade de ir até aí te fazer o carinho que os convalescentes necessitam. Juro que nosso livro vai sair ainda este ano, antes da Olimpíada – se você andar rápido – e te digo mais: já tenho a editora. Só falta conversar com eles sobre adiantamentos. Já te passei o material que pretendo usar no livro. Você vai decidir como vamos usá-lo. Seguindo suas instruções, estou preparando meu texto de abertura, contando tudo o que aconteceu, do princípio até agora. Contando, é claro, como a ideia do livro nasceu. Tão logo você se recupere, a gente se reúne para estruturar o livro, ok?

Sare logo, volte a ficar bonitinha e vamos à luta.

Yours,

Ziraldo"

No dia em que Ziraldo morreu, aos 91 anos, 6 de abril de 2024, chorei muito quando reli a nossa troca de e-mails e vi o desenho da capa que ele imaginou para o nosso livro: uma esfinge e um ponto de interrogação. O título que ele escolheu foi:

"Ninguém entende de velhice: a não ser, é claro, a Mirian Goldenberg".

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