Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.
'Vou ficar no chon', diz Erick Jacquin em ensaio para desfilar no Carnaval
Nas ruas em frente à quadra da Vai-Vai, em SP, uma multidão canta um samba-enredo em português misturado com uma língua que, com alguma atenção, pode ser identificada como francês. "Je-zuí-Vai-Vai", repetem no refrão. A frase seria "je suis Vai-Vai", ou "eu sou Vai-Vai". E o estrangeirismo se justifica: a França é o tema da escola de samba neste Carnaval.
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Quem (tenta) caminhar entre a multidão que lota as ruelas do Bixiga vai ouvir trechos de conversas na língua, já que a comunidade francesa em SP está aparecendo em peso nos ensaios. Nem bem virou o ano e as 3.200 fantasias da escola já tinham sido todas vendidas, em grande parte graças aos franceses, segundo Edimar Tobias da Silva, o Thobias da Vai-Vai.
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"Aqui tem branco, tem preto, tem viado, tem sapatão, corintiano e são-paulino, tem o ladrão e tem a vítima. E sempre tem gringo, mas esse ano tem bem mais, olha os franceses aí", diz o ex-presidente da escola à repórter Letícia Mori no camarote do ensaio, e aponta para o povo na rua.
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Pelo menos um dos franceses é facilmente identificável na multidão: com sua cintura larga de chef bem alimentado e uma quase careca bem visível de cima, Erick Jacquin abre caminho na galera para curtir o samba no meio da bateria.
"Olha o bebê ali [ela só se refere ao marido assim]. Não para um minuto aqui em cima. Desce, vai comer espetinho, gosta mesmo é de muvuca", diz a altíssima Rosângela Menezes, mulher de Jacquin.
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De salto e sem parar de dançar a noite toda, ela diz, em tom de confissão, que não sabe sambar. "O bebê falou pra mim: 'Peguei uma nega falsa. Você tem celulite, não sabe sambar e tem alergia ao sol'", diz, rindo. Aponta para a rainha de bateria, Camila Silva, em um camarote do outro lado da quadra. "Olha que espetáculo o que essa mulher faz. Não fico nem olhando, senão me atiro da janela! É uma humilhação!"
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Jacquin samba, pega instrumentos dos membros da bateria e até arrisca tocar um repique. Interage com outros franceses, com os brasileiros e faz piadas sujas. "Tem muita mulher bonita aqui", diz. "Não é porque não vai comer nada que você não pode olhar o cardápio, não é verdade?"
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"Não sei como ela me aguenta", diz Jacquin referindo-se a Rosângela. "Ela é maravilhosa. O único problema é que ela é muito alta. Não dá para fazer 69."
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Acende um charuto cubano e começa a sambar. Vira e mexe, puxa a mulher de lado e dá um beijão. Os dois estão juntos há dez anos, mas só se casaram no fim do ano passado, com uma festa no Jockey Clube. "Foi tudo presente de amigos a festa, non tive que pagar nada! Uma alegria", diz.
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Num outro momento de, digamos, inspiração, Jacquin dispara a um dirigente da Vai-Vai: "É verdade que você é o único negão com pinto de japonês?". O próprio chef conta que o interlocutor arregalou os olhos e falou: "Mas você é ousado, hein, Jacquin!?". Ele diz que adora "falar bobagens, e também fazer. Já fiz muita putaria!", e dá uma gargalhada.
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O cônsul da França em São Paulo, Damien Loras, ouve o relato e se desculpa, em tom de brincadeira: "Só quero dizer que isso aí não representa a França!".
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O consulado fez parceria para apoiar o desfile da Vai-Vai. "Queremos desfazer essa visão elitista de que a França é coisa chique e inacessível, um país branco e do luxo", diz. "Queremos mostrar a França que também é moderna, tecnológica e miscigenada, multicultural. Não somos todos branquinhos, de olho azul." O cônsul é casado com uma negra, Alexandra Loras. Formada em jornalismo, a francesa já desenvolveu pesquisas sobre a visibilidade das minorias na mídia e é sempre convidada a falar sobre racismo.
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A Vai-Vai esperava que, ao homenagear a França, conseguiria mais apoio para o seu desfile. Ela foi autorizada a captar R$ 2,2 milhões. Empresas francesas patrocinaram a agremiação, mas o valor não foi alcançado. "Não estamos no vermelho. Mas quanto mais dinheiro, mais luxo, né?", diz um diretor.
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A parceria com o consulado incluiu bolsas de estudo de francês oferecidas pela Aliança Francesa para integrantes da escola e convites para que cinco deles fossem conhecer o país europeu, inclusive os dois carnavalescos. Mas foi em um jantar na casa do cônsul em SP que surgiu a ideia para o emblema deste ano da escola, quando o pessoal da Vai-Vai viu uma reprodução da pintura "A Liberdade Guiando o Povo", de Delacroix. Na versão carnavalesca, ela segura uma bandeira da Vai-Vai e um cavaquinho no lugar de uma arma.
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Num canto do camarote, o ator Sebastian, ex-garoto propaganda da C&A, conta a todos por que o tema deste ano tem "tudo a ver" com ele. "Eu sou moda! Paris é moda! E a moda sou eu. A festa se mistura com a minha vida!"
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Mas Jacquin é a grande estrela do ensaio. A todo momento, fãs pedem para tirar selfies com ele, que ficou famoso como jurado do programa "MasterChef", da Band. Quando dizem que ele é muito simpático, retruca: "Non sou, non. Eu sou brrravo!".
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Tanto no programa de TV quanto no comando dos seus restaurantes, ele ficou conhecido pelo temperamento explosivo. Ao vivo, interage com fãs, atende com educação aos pedidos de foto e faz gracinha nos retratos. "É para ficar mais magro", diz, fazendo um bico.
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"Ele adooora atenção", conta Rosângela. O casal será destaque da escola na ala que homenageia a culinária da França. A ideia é que fiquem em um carro alegórico, mas o chef está hesitante. "Ficar lá em cima? E non pode descer? Eu quero circular", reclama com Eduardo Lima, responsável pelo marketing da Vai-Vai e amigo do chef. Ele faz piada: "Se você ficar andando de uma ala pra outra vai atrapalhar o desfile. Vamos te prender no carro para não te perder na multidão".
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Alguém lembra que os carros em São Paulo são empurrados por pessoas, e não motorizados como no Rio. "Vão sofrer comigo em cima", diz o chef. "Vou ficar no chon. Será que a Globo vai me filmar se eu abrir o desfile?" Com os direitos da transmissão do Carnaval no Anhembi, a emissora não costuma dar destaque para contratados das concorrentes.
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