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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'A prisão é o quarto mundo dentro do terceiro mundo', diz o rapper Dexter

Músico falou a menores de abrigos para sonhar e não acreditar em soluções fáceis das esquinas

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O rapper Dexter após bate-papo e show para jovens menores moradores de abrigo

O rapper Dexter após bate-papo e show para jovens menores moradores de abrigo Eduardo Anizelli/Folhapress

“É uma honra eu estar aqui na condição de um cara que tirou 13 anos de cadeia, mas que hoje já está há oito na rua mostrando para o sistema como funciona. Certo? E que a minha história sirva de exemplo para que vocês entendam que também são capazes. Desistir, nunca. Sonhar, sempre. Correr atrás. Esse é o objetivo.”

“Para quem não me conhece, o meu nome é Dexter.”

 

São 14h de quarta-feira (3) e o rapper fala a uma plateia de cerca de cem menores que vivem em abrigos públicos para crianças e adolescentes socialmente vulneráveis. 

O encontro foi promovido pelo projeto Trampo Justo, do Tribunal de Justiça de São Paulo com o CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola). 

A iniciativa visa incentivar empresas a contratarem jovens de casas de acolhimento para prepará-los para a vida sem a proteção do Estado —aos 18 anos eles têm que deixar os abrigos e se virar por conta própria.

A ideia era que Dexter falasse de sua vida e passasse a mensagem: o crime não compensa. “Quanto antes colocarmos na cabeça desses jovens a importância de trabalhar e levar uma vida honesta, melhor”, explicava o juiz Iberê de Castro Dias, idealizador do projeto. 

Na plateia estava, por exemplo, Raquel. Ela foi abandonada pela mãe, viciada em drogas, ainda no hospital. Hoje com 15 anos, vive há 14 em um abrigo. A mãe está presa. “O meu pai eu não conheço. Nunca ouvi falar”, conta. E também Lívia, 13, que lembra: “Eu apanhava muito [dos meus pais]”. Ela mora há dois anos em um abrigo (os nomes dos jovens citados neste texto foram trocados para manter as suas privacidades).

Batizado Marcos Fernandes de Omena, Dexter adotou o seu nome artístico em homenagem a um filho de Martin Luther King. Dos seus 45 anos, ele diz que “13 anos e três meses foram dentro do exílio” —como se refere ao tempo em que esteve encarcerado. Em sua ficha estão assaltos, fuga e acusação de envolvimento em um homicídio.

Dexter passou por diversas cadeias. Incluindo o extinto Carandiru. “Paguei a pena. Não devo mais nada”, afirma. “Mas vou levar isso [a marca de ex-presidiário] para o resto da minha vida”, diz ele à coluna. “Outro dia estava andando no meu carro, ouvindo o meu bom rap, e um policial de moto colou do lado. A primeira coisa que ele pergunta é: ‘Já tirou cadeia?’”

Com o microfone na mão, Dexter segue falando aos jovens. “Acreditei numa proposta que está aí nas esquinas, a qualquer momento que você quiser”, diz, referindo-se à vida no crime. “Eu achei que fosse a solução mais rápida para os meus problemas”, conta. 

“Só que depois você pode ter que aprender determinadas coisas a duras penas. Sobretudo num Brasil que não investe nos seus jovens. Num Brasil racista, preconceituoso.”

“A primeira pessoa que tem que acreditar em você é você mesmo. Você não pode se decepcionar. E também não pode decepcionar as pessoas que acreditam em vocês”, diz. “O mundo já sofre com muita gente ruim. É necessário que vocês se tornem pessoas boas, para que tenhamos um futuro mais ameno para os seus filhos."

“Estamos passando por um momento no Brasil muito difícil. Tá todo mundo aí acompanhando, né? Tudo isso que acontece no seu país, na sua quebrada, na rua da sua casa, tem a ver com você.”

Ele atribui ao rap a sua formação. “Uma cultura que começou a mostrar quem eu era. Quem eu poderia ser. E quem eu me tornei. Hoje eu posso dizer que a minha mãe sente orgulho de mim.”

Entre as falas, Dexter cantava músicas suas e de outros, como os Racionais MC’s. Timidamente, Liliane, de Guarulhos, pergunta: “No tempo em que você esteve na cadeia, o que fez você acreditar?”

“Quando cheguei na prisão, logo no primeiro mês, vi jovens da mesma cor que eu, da mesma idade, morrendo. Por uma pedra de crack, uma carreira de farinha, uma palavra mal dita. Entendi que aquela vida não era pra mim”, conta. “A prisão é um quarto mundo dentro de um terceiro mundo. Embora na prisão exista também muita humanidade de preso com preso. Mas existem leis rígidas que eu garanto: a maioria de vocês não ia gostar nada de conhecer.”

“Entendi que o que eu tinha que continuar fazendo era rap. Porque o rap salva vidas. E o crime destrói vidas”, concluiu.

“Como você lida com o preconceito?”, perguntou outra menina.“Uma bosta, né? É uma merda”, respondeu Dexter. “O que eu preciso fazer? Me manter firme. Sabedoria. Com a sua autoestima em dia você tem condição de combater [o preconceito]. Enfrentar. E não deixar que isso nos entristeça.”

“É isso o que faço. Música. Leio. Me informo. Me atualizo”, diz. E recita um trecho da música “Negro Limitado”, dos Racionais MC’s: “Antes que os racistas otários fardados de cérebro atrofiado os meus miolos estourem e estará tudo acabado”. 

Outra questão levantada foi o papel da música na formação daqueles jovens. “Tem um monte de cara cantando ostentação. Cantar ostentação pra jovens que nem emprego têm é difícil. Você vai conduzir essa juventude, em fila indiana, pro inferno. Pras cadeias. Pro cemitério.”

“Acho que muita ideia acaba virando sermão. O objetivo aqui é uma troca de experiência para que cada um desses jovens e adultos levem uma sementinha plantada no coração. Do bem, do carinho, do amor e do respeito. É disso que o Brasil está precisando.”

Para encerrar, Dexter convida todos a cantar “Vida Loka Pt. 2”. No fim, formou-se uma fila para tirar selfies com o rapper. 

Um deles era Benício, 15. Ele conheceu as músicas do rapper pela mãe, quando viviam em Pernambuco. Assim que ela morreu, veio para São Paulo em busca do pai. “Ele [o pai] não prestava. Não queria nada da vida. Só bebia”, diz o jovem, que vive em uma casa de acolhimento há um ano e quatro meses. Ele teme o dia em que completará 18. “Vai ser difícil. Mas não fico me lamentando. É bola pra frente.”

“Tudo o que eu sempre quis foi fazer 18 anos”, dizia Viviane, 15, depois da palestra. Ela vive em abrigos há uma década. Trabalha como jovem aprendiz em um banco. “Acho que sou capaz de me virar sozinha”, diz ela, que sonha em ser fotógrafa.

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