Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Há uma espécie de tentativa de normalizar o absurdo', diz Rodrigo Amarante

Morando há dez anos nos EUA, cantor carioca diz que nova turnê do Los Hermanos é 'versão barba branca' da banda

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O cantor, compositor e músico Rodrigo Amarante no Parque Lage, no Rio de Janeiro

O cantor, compositor e músico Rodrigo Amarante no Parque Lage, no Rio de Janeiro Ricardo Borges/Folhapress

“Sou um estrangeiro. Mesmo que não quisesse me sentir, eu sou”, diz o cantor, compositor e músico carioca Rodrigo Amarante, que vive há dez anos em Los Angeles, nos Estados Unidos. “[Morar no exterior] te dá perspectiva: de onde você vem, quem você é, seus costumes, manias.”

Mas tudo muda quando visita o Brasil. “Cara, sou totalmente brasileiro. Ainda mais quando sinto cheiro de coração de galinha [sendo preparado].”

A lembrança do petisco e do país o empolga e ele começa a cantar  versos da música “Sou Mais Samba”, de Candeia: “Eu não sou africano, eu não/ Nem norte-americano/ Ao som da viola e pandeiro/ Sou mais o samba brasileiro”.

O artista conversou com a coluna no café da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. “Meu sonho era estudar aqui. Tudo o que eu faço, marco pra ser aqui”, diz ele, que queria ser pintor na infância. “Mas nunca tinha ouvido falar de alguém que vivesse disso. Na minha cabeça, era coisa de rico. Aí fui estudar jornalismo”, explica.

E foi na universidade que conheceu Marcelo Camelo, Bruno Medina e Rodrigo Barba, com quem formou a banda Los Hermanos, na década de 1990. 

A música sempre esteve presente na vida de Amarante. Ele diz que não tem uma primeira memória musical específica, mas recorda do bloco de Carnaval de sua família, Saquarema de Banda. “Era essa bagunça maravilhosa: todo o mundo fazendo música, batucando, rindo, bebendo, fumando e dançando. Uma festa.” 

“O bloco saía da casa da minha família, ia pelas ruas da cidade até chegar ao centro, onde os outros cortejos se encontravam”, lembra. “Teve uma vez, eu devia ter uns sete anos, que a bateria abriu e eu fui pra frente, fiz um solinho de repique e chamava a bateria pra voltar, e ela voltava. Foi incrível! E eu pensei ‘caramba, que coisa poderosa!’”

“Sempre gostei de tocar instrumento, mas não sabia que era possível ser músico profissional. Acho que demorou uns dez anos no Los Hermanos pra eu aceitar que era isso mesmo que ia fazer”, conta.

“Não é que eu tô dizendo que eu não tenho talento, algum talento eu devo ter. Mas sempre fiquei pensando que alguma hora iam descobrir que eu não sei o que tô fazendo e que eu tô fingindo”, diz.

Após quase quatro anos sem tocar junto, o quarteto volta a se apresentar em várias cidades do país —o show em São Paulo será no Allianz Parque, no dia 18 de maio. Aos 42 anos, diz rindo que esses shows “vão ser a versão barba branca”. “A gente vai ficando mais velho, mais vivido e já sabendo o que quer. As coisas são menos urgentes. Acho que [a vida] só melhora.” 

“Tocamos essas músicas 1 bilhão de vezes. Agora é como olhar uma foto antiga. Engraçado como as coisas vão mudando”, completa.

No começo do mês, lançaram a faixa “Corre Corre” —a primeira inédita em 14 anos. “O Marcelo tinha uma música e a gente tocou. Ficou legal e rolou gravar. Foi relâmpago, de última hora”, conta ao mesmo tempo que estala os dedos. Ele diz que não ficou ansioso sobre a expectativa do público com a nova canção: “Se gostarem, gostaram. Se não gostarem, não gostaram”.

Apesar da nova música, Amarante já adianta “que não há nenhum plano” para outras canções, um EP ou disco. “O plano do Los Hermanos é celebrar essa imensa honra que é ter tanta gente que quer celebrar as músicas que fizemos naquela época. Querer mais seria ganância. Não sei, talvez os outros vão discordar ou não vão gostar do que eu falei. Mas é assim que me sinto.”

A banda havia anunciado um hiato por tempo indeterminado em abril de 2007. “Não deixamos as coisas ficarem ruins em nome do sucesso ou de alguma posição que a gente tinha. Quando você faz as coisas pelo dinheiro, ele sempre é curto. Tem que ter mais.” 

E foi naquela época que surgiu o convite para gravar uma canção com o cantor e compositor americano Devendra Banhart, em Los Angeles. No final das contas, acabou gravando o disco inteiro com ele.
*
Nesse meio-tempo, também formou por lá a banda Little Joy, ao lado do brasileiro Fabrizio Moretti e da americana Binki Shapiro, lançou seu primeiro disco solo, “Cavalo” (2013), e escreveu e gravou a canção “Tuyo”, tema da série “Narcos”, da Netflix. 

“Quando fui [morar em Los Angeles], pensei que ia ficar só dois anos e voltar. Mas acabou que fui ficando, o que não quer dizer que eu vá ficar lá pro resto da vida. Espero que não, inclusive”, diz. 

Ele interrompe a entrevista. “Aqui não dá pra fumar, não, né? Bom, a gente dá um traguinho depois.” E retoma o assunto sobre morar no exterior. 

Amarante conta que sentiu que coisas práticas em sua vida na cidade americana mudaram desde a eleição do presidente Donald Trump. “Há mais violência contra o estrangeiro. A xenofobia está muito mais encorajada.”

“É a mesma coisa que tá acontecendo aqui. O mundo tá num momento muito estranho, né? Pra não dizer escroto.” Ele diz que, apesar do momento atual ser “perigoso”, “não há que desencorajar”. 

“Há uma espécie de tentativa de normalizar o absurdo e aceitar coisas que são absolutamente inaceitáveis. Nesse caso, tô falando do canto mais absurdo da direita que vem com o papo de ‘ah, a ditadura militar foi ótima para o Brasil. Vamos comemorar isso’”. 

Por outro lado, lamenta a polarização política que tomou o país nos últimos anos e ressalta que é preciso sempre “haver diálogo e estar aberto a conversar”. “Tem que pensar que toda criança é seu filho; todo velho é seu pai; todo homem ou mulher é seu irmão ou irmã. Mesmo que a pessoa tenha ideias absolutamente imbecis, nefastas e cretinas.”

Nas eleições de 2018, publicou em uma rede social críticas ao presidente  Jair Bolsonaro, então candidato. Mas não acredita que a classe artística deva ser obrigada a se manifestar sobre política, por exemplo. “Se há quem me ouça e eu tenho essa honra de ter gente interessada naquilo que eu escrevo, sinto que devo honrar isso. Cada um faz o que achar melhor. Quem sou eu pra dizer o que os outros têm que fazer.”

“Também não acho necessário [o artista] se reinventar, modernizar, acompanhar as tendências. A busca do futuro pode ser algo bobo. Até porque o passado tá cheio de coisa boa também”, completa.

Ele diz que está no processo de gravação de seu segundo trabalho solo, que deve ser lançado no começo de 2020. 

Já no fim da conversa, que migrou para o terraço, pede uns minutos: “Posso fumar um cigarro e fazer uma fotinho? Vou mostrar pra minha mulher [ele namora a cantora britânica Cornelia Murr]. Na foto [para o jornal], não vou fumar, não, porque não quero [incentivar] que crianças fumem”, diz ele, que ainda não tem filhos.

E admite: “Agora que eu tô ficando mais velho, tô querendo ser menos estrangeiro. Quer dizer, ter um lugar pra chamar de meu. Mas não preciso ser dono de nada, não tenho nada. Mas estou começando a pensar que de repente eu podia fazer um ‘casebrezinho’ em algum lugar, ter uma série de filhos, galinhas. Seria maravilhoso.” 

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