Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Tive embates com o papai. Ele com o uísque, eu com o vinho', diz Lucio Mauro Filho

Célebre como o Tuco, de 'A Grande Família', ator afirma que a baliza do humor deve ser o respeito e que seu pai, Lucio Mauro, foi seu mestre, 'mesmo não querendo'

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O ator Lucio Mauro Filho em uma livraria no Rio de Janeiro

O ator Lucio Mauro Filho em uma livraria no Rio de Janeiro Ricardo Borges/Folhapress

“Uma vez, estava saindo de um hotel no centro de São Paulo e tinha um cara na rua andando [na minha direção] de gravata, terno e maleta. Ele estava super sério”, diz o ator e comediante Lucio Mauro Filho. “Aí, quando me viu, chegou perto e gritou ‘Papiiiiiiii!’ [risos]. Ele deu uma desmunhecada maravilhosa! Depois disso, seguiu sério, como se nada tivesse acontecido. Caraca, que poder é esse da personagem!”, completa.

Naquele dia, foi lembrado pelo papel de Alfredinho, do “Zorra Total”. O ator conta que que também é parado nas ruas por personagens como o Tuco (“A Grande Família”) e o sargento Bigode (“Chapa Quente”). E conta que se diverte quando é reconhecido pelas pessoas. 

“Acho uma delícia essa coisa de a pessoa estar no dia dela normal e aí ela olha para você, te reconhece e começa a sorrir. Poxa vida, que lindo isso de você despertar o sorriso numa pessoa”, segue. “No mundo hoje, onde o ódio virou a temperatura, eu quero ser justamente essa pessoa que ainda provoca o riso [nos outros]. Esse aí é o verdadeiro prêmio.”

O ator conversou com a coluna em uma livraria na zona sul do Rio de Janeiro. Ele chegou ao local combinado com alguns minutos de atraso por conta do trânsito causado pela forte chuva naquela tarde. Se desculpou enquanto fechava o guarda-chuva transparente com a frase “I Love NY”. “Sempre fui apaixonado por livros, assim como o papai [o ator Lucio Mauro]. Então é um ambiente em que me sinto em casa”, diz, enquanto se ajeita num banquinho de madeira. 

Aos 45 anos e com quase 30 de carreira, Lucinho, como é chamado pelos colegas, está no ar na novela das 19h da Globo, “Bom Sucesso”, na qual interpreta o editor Mário. 

Conta que seu pai não queria que seguisse a mesma profissão que a dele e que tinha pavor da ideia de que se tornasse um ator mirim. “Ele me falava: ‘Meu filho, não queira ser garoto prodígio, é uma merda. Quando você virar adulto, vai estar todo corrompido por esse mundo e vai formar o seu caráter a partir de coisas que são subjetivas’. E ele tinha total razão né?”, afirma.

“O papai, mesmo não me dando força, me mostrou o caminho [da profissão]. Ele também foi meu mestre, mesmo não querendo”, diz. 

Ao longo da trajetória, Lucinho trabalhou a maior parte do tempo com projetos humorísticos. Ele afirma que não acredita que o politicamente correto tenha acabado com o humor. No entanto, acha que tudo ficou “mais sem graça”. “O humor é subjetivo. O que eu acho engraçado, você pode não achar. E a graça também está no politicamente incorreto. Isso é uma verdade que não dá para negar. Agora, estamos aperfeiçoando a graça pensando nisso”, segue.

“É respeito, né?”, continua Lucinho. “Se a pessoa tem o respeito como baliza, a coisa do politicamente correto já fica bem abrandada. Então, acho que é muito mais sobre respeito do que ‘isso pode, isso não pode’.” 

“Ser ator não te dá uma credencial para você fazer qualquer coisa. Não mesmo. Cabe à sua índole e à educação que você teve. É de lá que devem vir os seus parâmetros, e não pelo que vem de fora, do outro”, acrescenta o artista.

Na televisão, despontou como Tuco, filho de Dona Nenê (Marieta Severo) e Lineu (Marco Nanini) no seriado “A Grande Família”, de 2001 a 2014. “Foi uma universidade pra mim, um privilégio espetacular. Vou ser o Tuco meio que para sempre. E olho isso com carinho, não tenho nenhum problema com isso”, diz, rebatendo as críticas de que é ruim um ator estar atrelado a uma personagem ao longo da carreira. “Significa que foi um sucesso, né”.

Ele conta que com dez anos no ar em “A Grande Família”, foi o primeiro a “perguntar quando [o programa] iria acabar”. “Foi meio polêmico na hora, mas eu estava agoniado. Comecei a ficar defasado no que diz respeito a fazer personagens condizentes com a minha idade. Eu já era pai de família, com dois filhos, um casamento de não sei quantos anos e continuava sendo visto pelos produtores de elenco como um garoto”, segue. 

Para ele, tudo tem um prazo de validade. E enche o peito ao dizer que encerraram o programa “no alto nível que ele sempre teve”. Por outro lado, conta que foi difícil se desvincular do Tuco e “se libertar da figura do cara que não quer crescer”.

E como furar isso? “Precisei ir para fora [da televisão] e fazer alguma coisa que despertasse a atenção [dos produtores e diretores]. Dentro da TV é dificílimo você se livrar de um rótulo”, diz. Lucinho conta que conseguiu esse feito ao interpretar o produtor e diretor Luiz Carlos Miele no filme “Elis”, sobre a cantora Elis Regina, em 2016. A partir dali, passaram a surgir os convites, diz ele.

Na Globo, o ator também participou do reality musical “PopStar”, em 2017 —ele foi um dos finalistas. Não significa, diz, que se considere um superstar, apesar de seu currículo. “Sou um trabalhador das artes cênicas, não uma estrela”, segue. “Se acontecer, ótimo. Mas sou basicamente um trabalhador, sabe? Se tiver que chegar cedo, é pra chegar cedo. Não tenho esses grilos de dizer ‘ah, peraí, eu já estou em um momento [da carreira] que acho que posso pedir para não fazer tal coisa’. Não. Para mim não tem isso.”

Ele diz que essa mentalidade o ajudou a manter os pés no chão e a não ser levado pelas “benesses” da profissão. “Vi meu pai em várias fases, em altos e baixos. Então, já sabia que por mais sucesso que você pode fazer nessa profissão, do nada, tu vira numa esquina, a coisa engrossa, o negócio aperta e você vai ter que se virar”, segue. “Tudo o que o público quer é colocar o artista num pedestal, só voando. E descobri bem cedo que as coisas não são assim”.

Lucinho acredita que uma das maiores reflexões que um artista deve ter hoje é sobre a importância do dinheiro. “O dinheiro é tudo? Tudo o que fazemos é pelo dinheiro? Eu acho que não”, reflete. “Se pudesse dar um conselho para um jovem artista, seria ‘não acredite no dinheiro’. Ele, definitivamente, não pode ser a pauta ou a baliza. Deve ser apenas uma consequência.” 

Ele enxerga que as novelas e seriados desenvolvem um papel social ao abordar temas relacionados à sociedade e incitar o seu debate. Por isso, diz que, como artista, sente responsabilidade na hora de se posicionar politicamente, “porque o artista tem o poder de entrar na casa das pessoas”. Adepto de textões nas redes sociais, Lucinho conta que acabou atraindo um novo público por conta do que escreve em suas contas.

Ele é crítico do governo de Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Mas também não vê com bons olhos a polarização política atual. “Você tem liberdade para votar em quem quiser. Eu não vou deixar de ser seu amigo por causa disso. Eu vou fazer isso se você tomar atitudes que eu considere que não correspondem àquilo que eu acredito como sensato.”

“Eu, com certeza, sou mais de esquerda do que de direita. Fato, né? Tive até alguns embates [políticos] com o papai. Mas sempre eram saudáveis. Ele com o uísque, eu com o vinho”, diz, rindo. 

 

Além da novela, ele também está no elenco da “Escolinha do Professor Raimundo”, um remake da série homônima que estreou na década de 1950. Nela, Lucinho vive Aldemar Vigário, personagem que foi interpretada por seu pai na versão original da produção.

E as gravações da “Escolinha” começaram com um toque a mais de emoção. Isso porque ele entrou no estúdio pela primeira vez um dia depois de seu pai morrer, em maio. “O que poderia ser imaginado como uma tarefa hercúlea foi na verdade mais um lindo momento dessa passagem do papai”, escreveu em uma rede social.

“Puta que pariu! No dia seguinte do velório, eu tive que me vestir do meu velho. Você passa por cima do seu luto e volta a trabalhar porque é assim a vida”, diz. “É claro que fazendo o papel da pessoa que morreu tem um plus, né? Uma ironia do destino”, continua.

Ele afirma que estava preparado para a partida do pai. Lucio Mauro sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) em 2016 e ficou três anos com acompanhamento médico em casa. Morreu aos 92 anos, em maio.  “Não estou dizendo que a família seja obrigada a entender a passagem de um ente querido depois de três anos de homecare. Mas é um dever de casa. Cada dia que passa, você se acostuma com a ideia da morte e da partida.” 

Lucinho também diz que esse foi um momento de libertação. “Aquele não era o Lucio Mauro. Sem uísque, sem cigarro. Era um bichinho, com um enfermeiro novo a cada dia e tal, mexendo, trocando fralda, a dignidade vai para a casa do caralho. Aí, você começa a pensar: ‘Poxa, ele já cumpriu a sua missão lindamente’...”

Ele se comove ao falar sobre o apoio e carinho que recebeu de amigos e do público com a partida do pai. “Virei a viúva do papai. Todo mundo queria me dar um abraço, conversar comigo. É cansativo? Sim. Mas, poxa, que coisa linda receber o amor de um povo pelo seu pai”, afirma. “Essa passagem não vai ser lembrada com sofrimento, mas sim como uma grande partida. Um grande fechar de cortinas e um grande aplauso de uma nação.”

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