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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Não conheço ninguém que se orgulhe do Rio', diz Luisa Arraes

Atriz fala sobre sua decepção com a falta de apoio ao teatro na cidade carioca, de suas raízes na política e da tentativa de virar votos contra Jair Bolsonaro em 2018

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Retrato da atriz Luisa Arraes Jorge Bispo/Divulgação

Luisa Arraes, 27, custa a lembrar quando começou a se afeiçoar pela política. Neta do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes (1916 -2005), a atriz se recorda de o tema se fazer tão presente nos almoços em família quanto arroz e feijão.

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“Eu fico vendo flashes. As histórias nas mesas em Recife, de como foi a vida do meu avô, dos meus tios, todos exilados. Eram muitas aventuras. Essa frase de que ‘política não se discute’ eu só fui ouvir mais velha, porque em casa a gente sempre falou disso o tempo inteiro. Nunca foi uma coisa negativa, mas sempre sobre pensar um mundo melhor.”

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Retrato da atriz Luisa Arraes - Jorge Bispo/Divulgação

Luisa contou os dias até completar 16 anos de idade. Se por um lado havia um êxtase pelo direito ao voto adquirido, por outro havia o lamento de quem estava distante da capital recifense em tempos de eleições —filha do cineasta Guel Arraes e da atriz Virginia Cavendish, ela nasceu e foi criada no Rio de Janeiro.

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“A família toda fazia campanha. Todos os netos vestiam a blusa do meu avô, e eu sempre fiquei muito triste de estar aqui no Rio e não participar desses momentos.”

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Em 2018, ano em que o pleito nacional alçou Jair Bolsonaro à Presidência, a atriz se juntou a outros pares da classe artística em ações que ficaram conhecidas como “vira voto”. Às vésperas do segundo turno, a iniciativa consistia em dispor cadeiras e quitutes em espaços públicos e conversar com indecisos sobre a importância do voto —e por que ele deveria ser contrário ao capitão reformado do Exército.

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“A primeira pessoa que eu descobri que ia votar no Bolsonaro era uma amiga minha. Eu falei: ‘Espera aí, ele exaltou um torturador, o Brilhante Ustra, que colocava rato nas vaginas das mulheres. Como alguém pode falar que esse cara é um herói?’. E lembro que ela me falou: ‘Vocês não usam blusa com o Che Guevara?’. E aí eu falei: ‘Caramba, eu tenho que pensar’”, relembra, aos risos.

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Há quem ainda zombe da ideia e diga que os artistas de classes média e alta só fizeram servir café aguado e bolo ruim para tentar reverter um sintoma mais complexo. A atriz reconhece que não havia esperança de uma grande virada, mas defende o valor simbólico da reação.

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“A classe artística foi totalmente desmoralizada, de uma maneira muito suja, e a gente respondeu com essa poesia. Em nenhum momento eu achei que a gente ia virar a eleição. Mas ir às ruas era muito mais para eu sentir que tinha algo que a gente podia fazer. E também para descer um pouco desse pedestal que a nossa profissão nos coloca.”

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Retrato da atriz Luisa Arraes - Jorge Bispo/Divulgação

Na terça (29), foi ao ar o episódio da série “Amor e Sorte” (Globo), no qual Luisa e seu companheiro, o ator Caio Blat, vivem a história de Manoel e Teresa, um casal que está se conhecendo e se vê obrigado a passar a quarentena juntos após ser deflagrada a pandemia.

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A série, de Jorge Furtado, foi gravada a distância e conta com episódios protagonizados por Fernanda Montenegro e a filha, Fernanda Torres, e os casais Lázaro Ramos e Taís Araújo e Emilio Dantas e Fabíula Nascimento. Todos eles aparecem em situações relacionadas à crise sanitária.

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“O Jorge ia escrevendo e mandando pra gente, e vice-versa. Escrevemos a seis mãos, numa oportunidade rara para dois atores. Foi bonito porque durante o processo teve uma coisa de levar o teatro para a televisão. A gente parecia uns adolescentes”, conta.

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“Aprendi um pouco de som, de fotografia, de direção de arte. Todos os profissionais envolvidos eram nossos professores. ‘Diminui o diafragma’, ‘o enquadramento não tá bom’. Foi o privilégio de fazer uma faculdade de cinema dentro de casa, coisa que um ano atrás eu jamais imaginaria.”

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Tendo sua casa no Jardim Botânico, bairro da zona sul carioca, como cenário da trama, a atriz teve que encarar de um modo inédito a contradição que é ter o seu trabalho reconhecido publicamente e querer preservar sua privacidade.

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“Eu tinha um medo danado. Quando se pensou em filmar no meu apartamento, eu falei: ‘Mas gente, eu não mostro nada da minha vida, vou mostrar a minha casa?’.” Hoje ela já pensa em fazer uma segunda performance em sua residência.

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“Amor e Sorte” é apenas um de muitos projetos que Luisa Arraes tem desenvolvido nesta quarentena. Ela cursa um mestrado de direção teatral na UFRJ e apresenta, neste domingo (4) e na segunda (5), a obra “Solos em confinamento (das) tripas (coração)”, com direção de Nelson Baskerville.

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Junto a Caio Blat, Luisa leciona semanalmente para o grupo de teatro Nós do Morro, que oferece formação a jovens da comunidade do Morro do Vidigal, na zona sul do Rio.

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“A gente repensou o que estávamos fazendo enquanto cidadãos. Por que a gente não disponibiliza uma hora, duas ou três, para dar uma aula de teatro? É a parte da semana que mais me deixa feliz”, afirma. As aulas agora se dão por videoconferência, e são ministradas para jovens entre 14 e 20 anos de idade.

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“O Nós do Morro agora está precisando de dinheiro para pagar a conta de luz. Quando tinha o incentivo da Petrobras, era uma coisa chiquérrima. A Royal Shakespeare Company [do Reino Unido] vinha para fazer oficina. Ver um lugar assim precisando de dinheiro é porque está tudo errado. No Brasil, está tudo errado, no Rio então...”

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“Como é que não entendem que a arte é fundamental e que todo ser humano tem que ter direito de criar e de pensar o mundo? As pessoas precisam de coragem, e pra isso você não toma uma pílula. A coragem precisa ser estimulada, coisa que o teatro faz.”

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“Não conheço ninguém que se orgulhe do Rio de Janeiro. Eu fico muito emocionada quando vejo [as atrizes] Leandra e Ângela [Leal], Marieta [Severo] e Andrea [Beltrão] porque, caralho, a pessoa resolveu fazer um teatro no Rio de Janeiro! Eu tenho vontade de mandar um buquê de rosas todos os dias nas casas delas para agradecer essas mulheres geniais que estão dando seu próprio dinheiro para manter a arte num lugar no qual ninguém ajuda.”

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Ângela e Leandra Leal são proprietárias do Teatro Rival Refit, enquanto Marieta Severo e Andrea Beltrão comandam o Teatro Poeira. Ambos perderam o apoio da Petrobras sob o governo Bolsonaro, assim como outros projetos no cinema e na música.

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Mais próxima dos 30 anos do que dos 20, Luisa se vê menos engessada e até mais divertida do que quando era mais nova. Antes da maioridade, ela conta, eram frequentes as vezes em que mentia sua idade para ser levada a sério.

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“Outro dia alguém me chamou de ‘jovem’ e foi a primeira vez que eu não fiquei chateada. Isso deve ser um sinal de maturidade. Quando eu era mais nova, eu não me divertia tanto no trabalho porque achava que tinha que provar coisas”, diz a atriz, que atribui parte da pressão ao fato de ser mulher e de ter iniciado sua carreira ainda jovem.

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Atualmente, as pressões pela maternidade e pelo casamento são as questões que a incomodam enquanto mulher. “Essa coisa burguesa da família me deixa muito chateada”, diz. “Vou lutar enquanto puder para não cair nessas armadilhas, por mais que eu possa morar junto e vir a ter filhos um dia.”

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E presta um agradecimento à filósofa francesa e autora da célebre frase de que “não se nasce mulher, torna-se” ao dizer que hoje consegue manter um relacionamento a dois em lares separados.

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“Isso é uma coisa de que a Simone de Beauvoir me salvou”, diz, rindo. “A gente convive junto enquanto quer, e, quando cansa, cada um vai para a sua casa fazer suas coisas. É uma resistência, mesmo no amor e num relacionamento duradouro, você manter essa individualidade e essa liberdade.”

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