Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu réveillon

Trancoso aglomera com ceia 'all inclusive', muvucas open bar e batidas policiais

Pico do turismo de luxo tem liga antifesta contra eventos de Réveillon

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Elba Ramalho está triste com Tuca Andrada. O ator postou um vídeo em que ela está num espaço cheio e legendou: “Feliz ano podre”. No mesmo dia, a polícia interrompeu uma festa com 700 convidados na casa que ela tem em Trancoso, vilarejo em Porto Seguro (BA) com cerca de 12 mil habitantes e pico do turismo de luxo no país.

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Era outro evento, diz a cantora à coluna: um convescote da Osklen, “uma loja que eu sou super amiga do casal”. “Passei lá com amigos, ficamos bebericando, comendo salgadinhos. Do lado tinha um bar tocando um forrozinho, os meninos fizeram um drinque em minha homenagem” (com gim, ela prefere vinho branco).

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Outra aglomeração. “Claro, o bar tava cheio, porque aqui tá cheio em todos os lugares. Estão dizendo que o vídeo que este cara maldosamente postou… Aquele ator deve ser muito frustrado para fazer um negócio desses com um colega. Estão dizendo que é a festa na minha casa.”

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Não era. Elba enviou uma gravação: ela numa missa na terça (29), na hora da celebração promovida por um grupo que alugou sua propriedade enquanto ela passava o fim do ano no Club Med local.

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Seu dia, conta, foi assim: salão de beleza para fazer escova, farmácia para se medicar contra “uma puta dor na coluna”, parada para um sanduíche vegano de homus com cebola caramelizada, a missa na Igreja São João Batista, no quadrado do fervo de Trancoso. “Umas oito e pouco da noite, encontrei amigas. Fomos comer e enfrentar toda esta guerra que estão fazendo contra mim.”

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O empresário Guilherme Souza, o locatário, se desculpou. Elba diz que vai processá-lo pela esbórnia que infringiu decreto estadual que vetou aglomerações na cidade.

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O produtor Zé Neto, famoso por suas festas na noite paulistana, foi associado à balada clandestina. Ele é um dos jovens trepados nos cajueiros do jardim da Elba, em publicação do Instagram. Procurado, não respondeu.

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“Deus te abençoe e espero que você fale a verdade”, diz Elba ao encerrar a conversa. A verdade é que Trancoso viveu o rescaldo de 2020 como se não houvesse pandemia. No último fim de semana, um aeroporto particular teve congestionamento de jatinhos. A Aeronáutica contou cerca de cem voos por dia, entre pousos e decolagens.

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Desde 13 de dezembro, todos os 30 leitos da UTI porto-segurense, que atende Trancoso, estão ocupados, em meio à segunda onda de Covid-19.

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Eventos como o no lar de Elba enervam um grupo com empresários da região e donos de casas, em torno de 150 pessoas. Eles questionam muvucas patrocinadas por cervejarias e agitos open bar com venda de ingresso. Também repassam alertas (“festa pesada, chegando vans com mais de 20 pessoas cada”). São os “ativistas antifestas”.

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O nome oficial da turma no WhatsApp, Alimente Trancoso, é do início da epidemia no Brasil, quando eles se organizaram para ajudar trabalhadores locais sem fonte de renda com a paralisação do turismo.

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“Mas aí em dezembro começaram a pipocar notícias. Amigos de amigos comprando ingressos de festas. E todo mundo começou a se preocupar”, diz Claudia Pizzimenti, 55, a Claudinha, que mora desde 1988 em Trancoso.

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Pelo WhatsApp, ela manda um texto que a astróloga, psicóloga e filósofa Regina Helena Mariano, 64, postou “e todo mundo super concordou, para você entender o sentimento da coisa”. Diz: “Trancoso não é uma prostituta, como muitos a tratam, que lhe tira o brilho, a beleza e a alma, deixando pra trás um corpo sem vida!”. Bruna Lombardi, que tem imóvel lá, elogiou e convocou os “guardiões deste lugar mágico”.

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Dona da Para-Raio, casa de shows que fechou em 2016 e onde cantaram de Elba a Elza, Claudinha é descrita por amigas como “a [planilha] Excel das festas”. Várias denúncias de aglutinações ilegais chegam primeiro a ela.

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Exemplo: no Terravista, condomínio onde alugar uma casa para dez dias nesta temporada pode sair por R$ 70 mil, teve uma flagrada pela Polícia Militar. Os policiais a descobriram na internet: “Sarará”, o nome do evento, aparecia sobre um fundo de pôr do sol praiano no flyer virtual.

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A PM diz que, entre os dias 28 e 31, interrompeu 43 encontros em casas e 12 festas de médio porte com venda de ingresso. Na quarta (30), a polícia ambiental encerrou uma com mais de 200 pessoas em Altos de Trancoso. Autoridades já haviam suspendido festanças ali, e o condomínio, multado os locatários em R$ 80 mil.

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Na liga antifesta, alguém disse que havia senador no fuzuê. O nome de Antonio Rueda, vice-presidente do PSL, circulou no grupo e aparece numa lista de frequentadores da casa. Rueda diz que passou o Natal em Trancoso, mas que foi embora e retornaria na quinta (31).

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Na virada do ano, há relatos de aglomeração no Tetto y Aragon Playa Beach Restaurant, que ofereceu “ceia all inclusive” por R$ 1.200 a pessoa. No menu: queijos gouda e chévre, jamón ibérico espanhol, tabule de quinoa colorida, paella e panna cotta com calda de cacau. Responsável pelo local, o grupo PHD Entretenimento diz que segue “rigorosamente todas as medidas sanitárias e os protocolos pré-estabelecidos pelas autoridades locais”.

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“Tem esta molecada que tá ‘living la vida loca’, mas tem as pessoas que estão em casa e que estão fazendo este teste. Mas isso é pra quem tem grana, né?”, diz Claudinha, que passaria o Ano-Novo “com um casal de bons amigos, na praia, pular as ondinhas e comemorar em casa”. *

Desde 23 de dezembro, um laboratório testa, por R$ 300, o antígeno, método sem garantias de detectar a Covid-19. O resultado sai em 20 minutos, e a previsão é atender até 5.000 pessoas na temporada.

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A empresária Bia Aydar, 64, está entre as vigilantes do WhatsApp. Pela primeira vez, decidiu não alugar sua residência no distrito. “Tive propostas milionárias, mas não era uma opção, porque sabia que fariam festas. E não conseguiria dormir com a minha cabeça no travesseiro sabendo que meus funcionários estariam expostos à Covid.”

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Pipocaram imagens de uma Trancoso aglomerada. O empresário Ivo Kos, por exemplo, divulgou fotos em que abraça seis amigos num restaurante badalado. Máscara? Ninguém. À coluna ele diz que já teve o vírus, faz regularmente exames para medir seu IGG e está só “frequentando a casa de amigos”. “Ontem fui num restaurante e, para entrar, precisei fazer teste do Covid, e só podia tirar a máscara na mesa!”

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“Acredito que estou respeitando todas as normas”, afirma. Questionado sobre o clima festivo, Kos ameaça processar a repórter e diz que muita gente faz pior do que ele. “Estou em casa agora e sei de quatro festas nesse momento. E você? Sabe de quantas?”

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Não é a primeira vez que Kos aglomera na pandemia. Em junho, reportagem do Fantástico revelou imagens de uma festança no bairro do Morumbi, em SP. A revista GQ identificou que o endereço era do DJ Mário Velloso, que disse: a ideia inicial era uma live de músicos, mas o amigo Ivo Kos pediu para celebrar o aniversário junto, e o convite se espalhou.

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A jornalista Alexandra Forbes, colunista da Folha, é outra que também milita contra a farra desenfreada em Trancoso. Compartilhou nas redes sociais o aviso “save the date” do festejo que Helder Zebral, ex-diretor comercial da churrascaria Porcão, pretendia dar no 27 de dezembro.

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“É com grande pesar que comunico o cancelamento da minha festa de aniversário”, disse Zebral em comunicado em que se diz “convicto de que cumpriria todas as medidas necessárias” para não disseminar o vírus.

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Alexandra foi cobrar em mensagem privada: “Sabemos que você não cancelou. Vai baixar polícia e vai sair nos jornais”. Ele: “É coisa pequena, os cantores não vêm mais, 30 pessoas”. Ela de novo: “Em Trancoso tudo se sabe… Olha lá, hein? Eu não ando só, somos muitos...”.

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Ele a bloqueou, mas antes mandou um áudio com xingamentos de baixo calão. “Não tô entendendo o que tá te incomodando tanto. Se preocupa com a sua [vida]”, emendou. “Foi um funcionário meu que respondeu, eu sou educado”, diz o empresário. Sobre Forbes: “Esta jornalista me pegou pra Cristo, não sei por qual razão. Só quero que ela me deixe em paz”.

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Endereçou uma notificação extrajudicial a ela que a acusa de “stalking” (perseguição) por causa de um “pequeno evento particular” que acabou não acontecendo. “Infelizmente, vivemos momentos tormentosos, e a tolerância e o respeito deveriam ser palavras de ordem nas relações humanas.”

Depois da publicação da matéria, o ator Tuca Andrada postou a seguinte mensagem em seu perfil no Instagram:

"Querida Elba Ramalho, vamos clarear algumas coisas. Nunca afirmei que o vídeo se passava na sua casa, nunca escrevi que o evento acontecia naquela noite (apesar de se passar durante a pandemia pois podemos ver alguns com mascaras no pescoço e até mesmo um DJ ou barman de mascara), nunca toquei no seu nome, simplesmente postei um vídeo, que você aparece sem máscara numa festa. Não tenho absolutamente nada contra você, te admiro como uma das maiores artistas desse país e quanto ao seu trabalho continuarei fã. O problema Elba, é que muitos de nós, artistas brasileiros, perdemos a noção pedagógica que nosso trabalho exige. Digo isso e não me excluo desse problema, mas sempre da tempo de corrigir nossa rota e tento fazer isso todos os dias. Uma Estrela de primeira grandeza como você estar numa aglomeração, sem máscara, quando já temos 200.000 mortos e um governo totalmente irresponsável e genocida, que zomba dos mortos, causa espanto sim e também muita tristeza. Espero que você tenha um ano maravilhoso. Saúde e paz".

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