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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Séries maternidade

Um mundo de coisas acontece com uma mulher depois dos 50, diz Drica Moraes

Aos 52 anos, atriz afirma não ter sentido medo da morte por causa da Covid-19, relembra momentos dramáticos de quando recebeu o diagnóstico de leucemia e fala sobre os desafios de criar um filho negro em um país racista

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Retrato da atriz Drica Moraes João Cotta/Globo/Divulgação

De todas as angústias que atravessaram a humanidade com a chegada da Covid-19, o medo da própria morte não foi uma das que ganharam espaço na vida de Drica Moraes, 52. “Essa pandemia eu tirei de letra nesse sentido”, afirma a atriz.

“Eu tinha medo de não poder reencontrar meus entes queridos, tinha medo de perder os outros, mas não tinha medo de morrer”, relembra sobre os primeiros meses da crise.

A origem do desassombro, ela conta, está relacionada com o que ocorreu há cerca de dez anos, quando recebeu o diagnóstico de leucemia e enfrentou um périplo com internações, quimioterapia, isolamento social absoluto e um transplante de medula.

“Quase morri mesmo. Eu ia dormir sem saber se ia acordar. O meu corpo descamou todo, da boca até o ânus. Tive dores lancinantes. Eu tinha morfina na mão, num aparelhinho que apertava de três em três segundos, para poder engolir. E eu vivi dez meses em um hospital, juntando todas as internações. Nada poderia ser pior que aquilo.”

“Na época do transplante, eu sempre imaginava: ‘Onde estarei daqui a dez anos?’. E jamais supus, nas minhas piores hipóteses, que pudesse estar num isolamento tão severo quanto foi o meu. Imaginar o mundo todo adoecido dez anos depois por culpa do homem, por falta de cuidado com a natureza, com o meio ambiente, com padrões sanitários, com a coisa pública...”

Drica se prepara para retornar às telas da TV Globo como Carolina na reprise da minissérie “Verdades Secretas”, na próxima terça (24), depois de estrear a quarta temporada da série médica “Sob Pressão” (Globoplay) na semana passada. Os episódios, inéditos, foram gravados no início de 2021.

Retrato da atriz Drica Moraes - João Cotta/Globo/Divulgação

“É muito gostoso e muito aflitivo [viver] esses novos códigos. A gente precisa muito do abraço, do afeto, do sorriso”, diz Drica sobre os protocolos de segurança em vigor nos estúdios. “O ator adora terminar um dia de trabalho e ir para a meninice, dar risada e abraçar e beijar e cantar. A gente sofreu um pouco, mas ficou feliz de estar reaprendendo a trabalhar, a viver coletivamente.”

A atriz divide seu dia a dia no Rio de Janeiro com seu filho, Mateus, de 12 anos. Ela conta que no início do período de distanciamento social chegou a passar um tempo nas casas da atriz Cláudia Abreu e da apresentadora Fernanda Lima, mas decidiu voltar ao seu lar com o prolongamento da crise.

“Quando teve a primeira onda, eu estava visitando a Cláudia Abreu no sítio dela. Ela trancou as portas e falou: ‘Daqui ninguém sai’. Fiquei lá um mês. E ela falando: ‘Não vou liberar ninguém para sair, está perigoso, vai morrer na rua, vai morrer na estrada’. E a gente ficou naquele mistério. Depois eu fiquei na casa de outra amiga, a Fernanda Lima, por mais dois meses. Sempre no mato, sempre isolada. E aí o aprendizado escolar [de seu filho] foi para as cucuias e eu falei: ‘Bom, vamos ter que encarar a cidade’.”

Retrato da atriz Drica Moraes - João Cotta/Globo/Divulgação

Drica afirma que fez um mergulho em disciplinas do sexto ano do ensino fundamental para poder passar os conteúdos a Mateus —tarefa que ela admite não ter sido fácil. “Teve muita briga, e acho que a gente cresceu muito a partir daí”, diz sobre os desentendimentos que surgiram em meio ao aprendizado e à convivência.

“A gente começou a se ver como indivíduos através dessa troca em outras esferas. Ele começou a me ver não só como mãe, mas como uma mulher com várias necessidades, e eu passei a enxergá-lo como um pré-adolescente com suas necessidades e limitações também. A gente saiu do campo da perfeição, da alta exigência, e passamos a nos relacionar de uma maneira mais madura.”

"É muito importante isso, senão a maternidade vira uma prisão, uma espécie de condenação. Nós somos milhões de coisas além de sermos mães. E eles são milhares de coisas além de serem filhos.”

“Acho que a mãe vai mudando de papel”, afirma sobre a maternidade com o passar dos anos. “Ela sai da linha de frente na época da criança, de fazer tudo pelo bebê, de resolver tudo por ele, depois passa a ficar do lado para ajudá-lo a resolver, a pensar os perrengues da vida, e [por fim] vai para a retaguarda. Vai dar chão quando cair, seguir sempre apoiando e amando, mas a distância e respeitando as escolhas.”

A atriz Drica Moraes e seu filho, Mateus - @oficialdricamoraes no Instagram

Drica afirma que entre os pilares da criação de seu filho há ensinamentos sobre a igualdade entre gêneros e sobre a pauta racial —Mateus é um menino negro. “A gente conversa sobre as abordagens inadequadas que ele pode sofrer. É triste, mas é fundamental. Muitas vezes, é ele que me alerta sobre os perigos. Ele fala: ‘Mãe, não posso andar com a mão no bolso, não posso correr na rua’. Eu falo: ‘Ande sempre com documento, com telefone do advogado”, diz a atriz.

“Preciso confiar muito na capacidade dele de resolver esses problemas, porque senão vou estar tirando a potência dele de crescer e de aprender a lidar com isso”, segue. “Que ele tenha a confiança de que vive num espaço e num tempo no qual esse tipo de preconceito não cabe mais. Ele já sabe que é preciso gritar, reclamar, exigir os direitos dele.”

“O meu grande ativismo já é a própria criação do meu filho e o confronto diário com as questões que essa criação me traz. Eu me sinto responsável, é como imagino que deveria ser: responsabilidade do homem branco. Entendo que a escravidão foi inventada pelo homem branco, foi perpetuada pelo homem branco através da objetificação do negro como objeto de troca comercial. Deveria ser a responsabilidade de todos nós a desconstrução dessa ideia, não só dos pretos nem só das mães ou pais de pessoas pretas.”

Tendo iniciado sua trajetória no teatro aos 12 anos de idade, Drica Moraes acumula em quase quatro décadas de carreira personagens em produções célebres como as novelas Top Model (1989), sua primeira, “Era Uma Vez...” (1998) e “Chocolate com Pimenta” (2003) —nesta última, ela popularizou o bordão “eu sou chique, bem”.

“Eu já estava com minha carteira de trabalho assinada desde os 14 anos”, conta. Drica afirma que sua trajetória é de atriz independente: ela atua na Globo há 34 anos, mas só passou a ter contrato fixo há seis.

Ela avalia que, depois dos 50 anos de idade, as possibilidades de papéis tendem a diminuir. “É uma cafonice mesmo, uma falta de criatividade dos autores”, diz. “Creio que esse encolhimento da dramaturgia acontece porque teoricamente a mulher já deu os grandes passos da vida, que é ter filho, que é estar no auge da sua libido, da sua capacidade de trabalho. Mas, na verdade, tem um mundo de coisas interessantes que acontecem com uma mulher depois dos 50.”

Retrato da atriz Drica Moraes - João Cotta/Globo/Divulgação

Ao olhar para seus pares, ela lamenta as condições colocadas para a cultura no país. “Nós, artistas, temos sido violentados, usurpados, maculados. O incêndio da Cinemateca faz parte de um desmonte de um desses pilares de sustentação da identidade do Brasil, que é a cultura”, afirma. “Os teatros estão sendo fechados, abandonados. Se não é descaso, é projeto de destruição.”

E estende suas críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “O que está aí no governo, pelo menos a mim, não me representa mesmo. E eu realmente desejo que esse senhor saia da Presidência e que a gente possa viver um outro Brasil.”

Sobre o futuro próximo, Drica afirma se sentir otimista graças à vacinação contra a Covid-19. “Isso renova muito a esperança, apesar de ter que manter os cuidados, o distanciamento, a máscara, não aglomerar, aquele blá-blá-blá que a gente sabe que é fundamental.” E diz, parafraseando Caetano Veloso, estar confiante com a chegada de um tempo sem pandemia. “Virá. Virá impávido que nem Muhammad Ali.”

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