OMS declara pandemia do novo coronavírus Sars-Cov-2

Declaração reflete disseminação do vírus pelos seis continentes e não significa que a situação esteja fora de controle

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São Paulo

A OMS (Organização Mundial da Saúde) decidiu, nesta quarta (11), declarar que há uma pandemia do novo coronavírus em curso no mundo com a sua disseminação por mais de cem países, em todos os continentes.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que declarar pandemia não significa que a situação está fora de controle nem que mundo deva abandonar as medidas de contenção e passar a pensar em mitigação. Pelo contrário: ele pediu ações mais agressivas.

Representantes da OMS afirmam que a declaração é uma caracterização da percepção do momento, portanto, as ações da agência da ONU não serão alteradas.

  • Endemia é uma certa quantidade de casos que historicamente já ocorrem em determinada região do país. Exemplos brasileiros: doença de Chagas e esquistossomose (barriga d’água).
  • Quando esse nível endêmico (que pode ser 0) é rompido pelo aumento de casos, pode-se considerar que há um surto ou uma epidemia.
  • Quando a epidemia afeta vários países ou continentes, trata-se de uma pandemia.

A entidade vinha evitando usar o termo pandemia por medo de dar a impressão de que ela era incontrolável e fazer com que os países reduzissem seus métodos de controle e contenção. A demora foi criticada.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse à Folha nesta quarta-feira (11) que a OMS demorou a reconhecer esse status. Segundo ele, com a declaração de pandemia, o país pode passar a identificar casos com base na ocorrência de sintomas e histórico de qualquer viagem internacional, além do contato com casos confirmados, e não só uma lista de países mais afetados.

"Teimaram comigo. Falei: é uma pandemia, e desde a semana passada o Brasil já trata como pandemia. Porque era óbvio. Se você tem uma transmissão sustentada em tantos países, como vou ficar procurando país por país, quem veio de onde? Isso pelo menos três semanas atrás já era impraticável para os sistemas de saúde", afirmou.

Ghebreyesus citou o aumento de casos fora da China. "Nas últimas duas semanas, o número de casos de covid-19 fora da China cresceu 13 vezes e o número de países afetados triplicou. Há agora mais de 118 mil casos em 114 países e 4.291 pessoas perderam suas vidas", disse. Segundo ele, espera-se que esses números cheguem a níveis ainda mais altos nas próximas semanas.

Segundo o diretor-geral da OMS, nunca se viu uma pandemia provocada por um coronavírus, mas, ao mesmo tempo, nunca vimos uma pandemia que pode ser controlada. Segundo ele, é um momento que deve envolver a ação de todos os setores e indivíduos.

Ghebreyesus fez um pequeno guia de como os países devem se comportar: preparar-se e estar prontos, detectar, proteger, tratar e reduzir a transmissão, inovar e aprender.

Não há uma regra clara sobre fechar ou não estabelecimentos, escolas, aeroportos e fazer grandes quarentenas, segundo Michael Ryan, chefe do departamento de emergência da OMS em Genebra. Acaba sendo uma decisão com base na avaliação de risco de cada país. O especialista deu o exemplo de que na China escolas foram fechadas, enquanto em Singapura, não —dois países usados como exemplos positivos da contenção do vírus.

"Em países com números menores de casos [como é o caso do Brasil], distanciamento social não tem o mesmo impacto imediato de rastrear contatos com pessoas doentes, isolamento desses contatos e de casos, e quarentena de contato. Isso significa que você está perseguindo o vírus", afirmou Ryan. "Quando você perde o fio do vírus, você precisa criar distanciamento social entre todo mundo, porque você não sabe quem está contaminado. É uma substituição pobre para ações de saúde pública agressivas no início, mas pode ser a única opção quando você não sabe mais onde o vírus está."

​Desde segunda, os representantes da OMS dizem que países como a China e Singapura têm conseguido controlar a propagação da covid-19, o que traz esperança para a situação futura.

​"Muitas pessoas trabalhando nesse caso estão tomando como base a influenza e a percepção de que, uma vez que a pandemia do vírus começa, é incontrolável. Daí o foco em mitigação e vacinas. E isso é compreensível, porque é o que pandemias fizeram no passado", afirmou Ryan. "Nessa epidemia, se não tivéssemos a experiência da Coreia, de Singapura, da China, poderíamos imaginar a mesma coisa. Mas temos observações que nos mostram que há um elemento significativo de controlabilidade nessa doença."

Mais de 90% dos casos de covid-19 estão apenas em quatro países, e dois deles, a China e a Coreia do Sul, já apresentam declínio significativo da epidemia local.

Há também uma preocupação por parte da OMS quanto à carga de trabalho dos profissionais de saúde em alguns países, como Irã e Itália, considerando que pelo tanto de casos graves, pelo tanto de equipamentos que têm que usar, a exaustão chega mais rapidamente.

A falta de equipamentos em alguns lugares do mundo também preocupa. "No Irã, no momento, faltam respiradores e oxigênio. Hoje de manhã, na Itália, havia 900 pessoas sob cuidados intensivos", diz Ryan.

O chefe do departamento de emergência da OMS afirmou que as epidemias são um teste de estresse e resiliência para o sistema e que os especialistas estão vendo falta de resiliência. "Nossos sistemas hospitalares estão ruindo​. Nós temos uma profunda falta de confiança em mensagens de saúde que o governo manda para a sociedade. São coisas que precisamos trabalhar melhor entre epidemias, mas neste momento estamos em uma briga."

Em 28 de fevereiro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) mudou a avaliação da ameaça internacional do coronavírus Sars-CoV-2 de “alta” para “muito alta”, a mais grave do novo sistema de alerta de quatro fases da entidade.

“Esse é um alerta para todos os governos do planeta”, disse Ryan. “Acordem. Prontifiquem-se. O vírus pode estar a caminho.”

A avaliação se refere aos riscos da dispersão sem controle do vírus e do impacto que isso possa causar. Ryan disse também que a mudança reflete a dificuldade de alguns países conterem a disseminação da doença. A entidade, porém, não explicou em seu site ou nas redes sociais quais são as quatro fases do sistema de alerta e o que essa última implica exatamente.

Na época, um porta-voz disse que grupos em várias organizações estavam trabalhando para definir o status de pandemia para esse novo vírus, o que podia demorar.

A entidade define epidemia como um surto regional de uma doença que se espalha de forma inesperada. Em 2010, a OMS definiu pandemia como o espalhamento mundial de uma nova doença que afeta um grande número de pessoas.

“Em geral, um surto se torna epidêmico quando ele se dissemina por um país em particular, como a zika”, diz Lawrence O. Gostin, professor de direito em saúde internacional da Universidade Georgetown. “Já uma pandemia é o espalhamento geográfico de uma doença em muitas áreas do mundo, muitos continentes.”

Em janeiro, a OMS declarou que o surto era uma emergência de saúde global. No mês seguinte, Ghebreyesus disse que a decisão de usar a palavra pandemia se baseava numa avaliação contínua sobre a disseminação geográfica do vírus, a gravidade dos seus efeitos e seus impactos na sociedade.

“Esse vírus tem potencial pandêmico? Com certeza. Já estamos nesse nível? Pela nossa avaliação, ainda não”, disse em fevereiro. “Até agora, autoridades de saúde não testemunharam o espalhamento sem controle do vírus ou evidência de doenças graves ou mortes em larga escala.” Alguns países conseguiram até diminuir ou parar a transmissão.

Para Gostin, houve duas razões para o diretor da OMS demorar a chamar a situação atual de pandemia: a entidade afirmava que a epidemia ainda poderia ser contida e não atingir esse status, e também para evitar pânico desnecessário.

Em um artigo publicado no periódico The Journal of Infectious Diseases, em 2009, os autores, entre eles Anthony Fauci, diretor do Niaid (Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA), fazem uma reflexão do que seria necessário para atestar uma pandemia:

  • Grande distribuição geográfica: um dos consensos é que a doença tem que afetar uma grande porção territorial, como no caso da peste negra, da gripe (influenza) e de HIV/Aids.
  • Rastreabilidade do movimento da doença: é possível identificar o caminho percorrido pela doença, como no caso da influenza, transmitidas por via respiratória, da cólera, pela água, ou da dengue
  • Alta taxa de infecção: quando a taxa de transmissão é fraca ou há baixa proporção de casos sintomáticos, raramente uma doença é tratada como pandemia, mesmo com grande disseminação. A febre do Nilo Ocidental saiu do Oriente Médio e foi parar na Rússia e no Ocidente em 1999, mas nunca carregou a alcunha de epidemia
  • Imunidade populacional baixa: é maior a chance de haver uma pandemia quando a imunidade da população for baixa para o patógeno
  • Novidade: o uso do termo pandemia está associado ao risco de novos patógenos (caso do HIV, nos anos 1980) ou novas variantes (caso do vírus influenza, da gripe, que apresenta sazonalmente novas configurações)
  • Infecciosidade: o termo pandemia é menos comumente ligado a doenças não infecciosas, como obesidade, ou comportamento de risco, como tabagismo. Quando isso ocorre, a ideia é destacar aquele problema como uma área que merece atenção, mas, segundo os autores do artigo, trata-se de um uso coloquial, não tão científico
  • Tipo de contágio: a maioria dos casos de epidemias é de doenças transmitidas entre pessoas, como a gripe (influenza)
  • Gravidade: geralmente a palavra pandemia é associada a moléstias graves, capazes de matar, como peste negra, HIV/Aids e Sars (síndrome respiratória aguda severa). Mas doenças menos severas, como sarna (causada por um ácaro) ou conjuntivite hemorrágica aguda (provocada por vírus), também foram consideradas pandemias.
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