Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'O cinema pode mudar a imagem de merda que estamos do Brasil', diz Betty Faria

Atriz de 80 anos diz que está mais rebelde do que nunca, critica o governo Jair Bolsonaro, lembra que sofreu 'todo tipo de assédio' quando era jovem 'bonita e gostosa' e entoa mantras budistas de manhã

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A atriz Betty Faria

A atriz Betty Faria, no Rio de Janeiro Lucas Seixas/Folhapress

São Paulo

Betty Faria quer "desempacar o cinema brasileiro". Aos 80 anos de idade, ela se diz "cheia de planos, de vontade de fazer coisas, de sonhos pra realizar" —e mais rebelde do que nunca. "E quero ganhar o Oscar! [risos]", afirma a atriz.

Mas a carioca não conta que projetos são esses já engatilhados para o futuro. Primeiro, para não dar azar. Segundo porque "como vai falar de algum plano com essa gente?" Ela se refere ao governo federal e ao seu aparato de fomento à cultura.

O setor cultural sofreu retrocessos na gestão do presidente Jair Bolsonaro. Exemplos: o Ministério da Cultura virou uma secretaria, a Lei Rouanet e a Agência Nacional de Cinema (Ancine) entraram em marcha lenta e artistas foram atacados por conservadores.

A atriz Betty Faria, no Rio de Janeiro
A atriz Betty Faria, no Rio de Janeiro - Lucas Seixas/Folhapress

"Essa gente tem que entender que o cinema brasileiro pode mudar essa imagem de merda que nós estamos do Brasil", afirma Betty. "Temos artistas maravilhosos. Tem que mostrar isso pro mundo. Isso é que é imagem boa."

Para ela, o que se vê hoje é boicote ao cinema nacional. "É uma ignorância, uma falta de perspectiva, porque a coisa nazi-fascista-miliciana é contra a cultura", afirma. "Como é que pode uma burrice dessas?"

A atriz ainda provoca o ministro da Economia, Paulo Guedes. Em abril deste ano, ele afirmou que "todo mundo quer viver cem, 120, 130 anos" sem que haja capacidade no serviço público de saúde para atender a todos.

"Quero chegar aos cem anos, sim! Ele que não sabe se vai chegar, sendo rabugento desse jeito. Quero chegar trabalhando [risos]", diz. "Com saúde!"

Betty diz que a oitava década de vida chegou quase despercebida. "[Fazer 80 anos] foi um choque. Digo: ‘Pô, passou tanto tempo e não me avisaram? [risos]’", brinca. "Acho que vivi tão intensamente que não acredito!"

"Ontem eu tinha 20, 30… Primeiro que eu nem achava que eu ia chegar a tudo isso", afirma. "Aí agora começou a vir esse peso do tipo: ‘80 anos!’. Penso: ‘Gente, e agora? Será que eu tenho que ficar velha? [risos]", segue a atriz na entrevista que deu à coluna, por chamada de vídeo, da sua casa no Leblon, no Rio de Janeiro.

Betty foi homenageada em mostras com filmes de sua carreira exibidas no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo, em outubro, e no Rio de Janeiro, em novembro. No dia 21 deste mês, ela será uma das convidadas do especial "70 Anos Esta Noite", da TV Globo, que vai celebrar a história da teledramaturgia no país. O programa reunirá em seu elenco nomes como Lima Duarte, Fernanda Montenegro, Lilia Cabral e Tony Ramos.

Filha de um militar com uma dona de casa, ela lembra que o seu contato com a arte se deu desde pequena. Sua mãe estudou canto e era "rainha das operetas". "Ela me introduziu ao musical americano", diz. "Eu queria ser uma estrela da Broadway." Mas Betty decidiu mesmo ser atriz quando viu Giulietta Masina em "A Estrada da Vida", de Federico Fellini.

A juventude de Betty se deu na gema carioca. "Eu sou adolescente de Copacabana, quando chegou o rock and roll. E as meninas que gostavam de rock já tinham um ‘quê’ de rebeldia."

"Era Simone [de Beauvoir, escritora francesa, autora de ‘O Segundo Sexo’ e mulher do filósofo Jean-Paul Sartre] aqui e rock and roll ali. Tive essa criação classe média. Eu poderia ser uma moça toda bem comportada, casado certinho e tal, mas parti porque queria ser artista, atriz. Queria cantar, dançar, apresentar. Ser livre. Não queria essa caretice."

As suas vivacidade e espontaneidade fizeram com que muita gente torcesse o nariz para ela. "Fui discriminada em muitos lugares. Nunca fui a namoradinha do Brasil. Existia certo preconceito", lembra Betty.

A atriz afirma que vivenciou "todo tipo que você possa imaginar" de assédio ao longo da carreira no teatro, na televisão e no cinema. "Eu era bonita, gostosa e rebelde! Acha que não vivenciei assédio?", diz. "Só que a gente tinha vergonha, não contava. Se virava na história. De alguns [casos], me saí bem. Em outros, fiz inimizades." Mas ela não dá nome a esses bois. "Coisa que traz tristeza, se você fala, traz pro presente de novo."

Betty é adepta do budismo. Ela recita mantras todo dia ao acordar. "É uma filosofia de vida que me encantou. Não gosto de nada que venha com o dedo na minha cara dizendo: ‘Não pode isso ou aquilo’. E [essa] é uma filosofia de causa e efeito. Você faz causas com palavras, pensamentos e ações", explica. "Não tem ameaças externas. Nós somos as nossas próprias ameaças."

A atriz é contratada da Globo. "Amo a TV Globo", diz. Mas ela trabalhou no SBT por uma temporada em 2009. "[Fui ao SBT] porque tinha uma pessoa lá [na Globo] que não gostava de mim. Essa pessoa tinha toda uma influência. Aí não conseguia trabalhar. Para uma artista, ficar na geladeira é muito penoso."

Betty diz amar atuar em qualquer plataforma. "Tenho a minha formação teatral. Quando vou fazer teatro, durante a sessão, eu fico muito feliz. Agora, eu tenho uma preguiça de ir para o teatro no domingo à tarde [encenar peças em cartaz], que você não faz ideia. Eu discuto a minha vocação! [risos]"

Apesar de sua rica vivência, ela não se vê escrevendo um livro autobiográfico. "Que as pessoas escrevam depois que eu for embora! Não quero perder tempo. Quero fazer outras coisas. Agora eu ando com vontade de viajar!"

A atriz Betty Faria
A atriz Betty Faria, no Rio de Janeiro - Lucas Seixas/Folhapress

Seu próximo destino de turismo deve ser a Espanha. Durante a reclusão em casa por causa da epidemia de Covid-19, Betty fez um "intensivão" de espanhol. "Para poder abrir as portas e poder trabalhar com a língua castelhana, porque quem fala português fica muito limitado."

A carioca comemora a profusão de serviços de streaming, que aqueceram o mercado de trabalho dos atores. E se diz apaixonada por ver filmes em salas de cinema. Mas se define como uma "noveleira filha da puta!". Depois do "Jornal Nacional", sempre assiste ao folhetim global. "Só depois que vou pensar em ver filme e tal."

Só que ela não gosta de ver a sua própria atuação. "Eu sofro, boto muito defeito", diz. "Também não perco muito tempo assistindo." Os registros televisivos que mostram a vida de Betty da juventude aos 80 anos não causam impacto na protagonista do filme "Bye Bye Brasil" (1980) e do folhetim "Tieta" (1989).

"Como eu não parei de trabalhar, não levei choque do tipo: ‘Ah, tô acabada!’", diz. "Fui me acostumando que eu era mais bonitinha. E agora sou uma velhinha bonitinha. Hello!"

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