Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Eu atuo com a emoção, a razão eu não sei onde está', diz Lilia Cabral

Aos 64 anos, a atriz estreia uma peça com a filha em São Paulo, critica a atuação do governo Bolsonaro e comenta o impacto da morte de artistas para a Covid: 'Toda vez que eu piso no palco, eu lembro'

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Aos 64 anos, a atriz Lilia Cabral retornou aos palcos depois de quase dez anos sem se apresentar em São Paulo, cidade onde nasceu, se formou e estreou no teatro. "Não sei se é bem essa a palavra, mas parece que [esse tempo longe do tablado] vai minando a gente", afirma Lilia.

Desta vez, ela entra em cena com sua única filha, Giulia Bertolli, 25, no espetáculo "A Lista", que estreou no Teatro Renaissance no dia 12 de março. A derradeira peça que fez na capital paulista foi "Maria do Caritó", de Newton Moreno, em 2012 —e que virou filme em 2019.

A atriz Lilia Cabral em sua casa no bairro Higienópolis, em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

O fim do jejum, mais do que ter um "gosto especial", ganhou um significado ainda maior. "É uma somatória de coisas. Ter conseguido fazer essa peça dentro da pandemia, ter sobrevivido a ela. Entender como é necessário a gente ter amigos, família. A gente entendeu a dor e o sofrimento de outra forma."

"Foi um tempo muito dolorido. Ainda é. E toda vez que eu piso no palco, eu me lembro. Teve tanta gente que morreu de Covid. Se não morreu, foi uma época muito difícil, especialmente para a classe artística", diz a atriz, emocionada. "Estar aqui é um agradecimento interno, pessoal."

No espetáculo, Lilia dá vida a uma aposentada que mora em um prédio em Copacabana, na zona sul carioca. Ela desenvolve uma relação com sua vizinha, interpretada por Giulia, que faz as compras de supermercado das duas para que a personagem de Lilia, mais velha, não precise sair de casa, evitando o risco de contrair coronavírus. A peça foi exibida online, pela primeira vez, entre setembro e outubro de 2020.

As gravações ocorreram em um teatro praticamente vazio. "Você não ouvia a respiração da plateia, não via o sorriso das pessoas, era só o silêncio", recorda. No ano passado, elas apresentaram uma versão reduzida da peça com presença de plateia no Rio, em Belo Horizonte e em Porto Alegre. O espetáculo que chegou em São Paulo é uma versão estendida, com mais 45 minutos de história. "Agora, sim, com começo, meio e fim", diz Lilia.

Nascida no bairro da Lapa, Lilia é filha de pai italiano e mãe portuguesa. Ela se mudou para o Rio aos 26 anos, para tentar uma carreira como atriz. Lilia sempre levava Giulia para acompanhá-la nas gravações de novelas, desde quando a filha era praticamente um bebê. Já seu pai foi contra a carreira nos palcos.

"Eu tinha dificuldade de encontrar o significado para a palavra liberdade. Eu sonhava muito, mas ele queria que eu ficasse ‘atadinha’", diz. "Eu só fui dizer que estava nessa profissão quando saí da escola [Escola de Arte Dramática, da USP]. Só aos 24 anos, quando eu fiz "Feliz Ano Velho" [dirigido por Paulo Betti] é que a família começou a entender", continua Lilia.

Antes de se tornar uma das atrizes mais reconhecidas do Brasil, com papéis em mais de 40 novelas, além de filmes e peças de teatro, Lilia diz que passou por um período de dez anos em que enfrentou muitas dificuldades".

"Tive que conquistar na garra. Dei a sorte de trabalhar com autores que faziam meus papéis, que já era bons, ficarem ainda melhores. Isso me ajudou muito. Se eu não tivesse o olhar de muitos, como os de Gilberto Braga, Aguinaldo [Silva], Maneco [Manoel Carlos], eu não acho que teria crescido tanto."

Contratada pela TV Globo, ela diz que a saída dos atores veteranos da emissora é um reflexo de uma indústria que mudou. "Eu acho que é prematuro fazer um julgamento porque a pandemia atrapalhou muito. Antigamente você só tinha a TV. Agora, tem outros caminhos, e é saudável."

"A imprensa, muitas vezes, fala ‘foi dispensado’, ‘foi demitida’. Usam palavras duras, e não há necessidade. Daqui a pouco isso não vai nem mais ser motivo de chamada [título de reportagem na imprensa]." Veja, a seguir, os principais trechos da conversa com a atriz.

A atriz Lilia Cabral em seu apartamento no bairro Higienópolis, em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

MÃE E FILHA

Eu não tinha esse olhar de mãe para filha. Eu a via como uma parceira mesmo. Estávamos nos encontrando na cena, no nosso perfil de trabalho. A gente tem coisas iguais, acho que é nossa genética, né? Mas é engraçado porque eu tenho um jeito diferente, eu sou completamente obcecada. Fico muito ligada em tudo. Tenho que ter a certeza de que [a cena] está certa na hora. A Giulia tem um tempo diferente. Esse tempo, para ela, faz uma beleza. Dá até inveja —boa, mas dá. Uma coisa meio "olha, no dia seguinte está tudo resolvido". E eu estou lá, louca para acertar.

VIDAS PERDIDAS

Foi uma sucessão de pessoas com quem você trabalhou, conviveu e que foram tão importantes nas nossas vidas [que morreram vítimas da Covid]. Como é que de repente...[o ator e humorista] Paulo Gustavo, [a atriz] Nicette Bruno. E quando Tarcísio [Meira] faleceu, eu pensei: "Chega, agora pode fechar a caixinha".

TEATRO E TV

Quando me chamaram para fazer a primeira novela, "Corpo a Corpo" [Globo, 1984], do Gilberto [Braga], aquele universo sempre me fascinou e eu nunca escondi de ninguém. O teatro é a minha escola, necessito dele, mas eu amo estar em um set de gravação.

GOVERNO BOLSONARO

Nós, artistas, somos pessoas sérias. E o [atual] governo não nos vê [dessa forma]. Como se nossa vida fosse fácil. A gente luta muito pelo nosso trabalho, a gente gera muitos empregos. O grande problema é que não nos ouviram. Mas é uma minoria que levanta essa bandeira. A gente vê agora o público voltando ao teatro. Ele está nos prestigiando, ele entende o nosso trabalho.

REDES SOCIAIS

O número de seguidores não pode ser fundamental na hora de escalar um elenco. Isso faz parte dos tempos atuais, mas não me preocupa. Acaba no momento em que o resultado não chama atenção. De que adianta ter seguidor se ela [atriz] não dá conta do recado?

A atriz Lilia Cabral em seu apartamento no bairro Higienópolis, em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

E seguidores vão embora. Num dia você tem 90 milhões, no outro dia tem 5 milhões. O artista nasceu para contar uma história, que precisa ser vivida e profissionalmente respeitada. Na minha época, um diretor ia te assistir no teatro. Se você era chamada [para o papel], você sabia que estava lá porque era qualificada. E isso dá uma grande segurança.

Mas eu gosto de ter [redes sociais], né? Meus [quase 3 milhões de] seguidores são pessoas que querem me acompanhar. Eles são extremamente carinhosos.

PONTE AÉREA

São Paulo é a minha cidade. Claro que eu amo. Eu tenho um encanto pelo Rio de Janeiro porque é um lugar deslumbrante, que me acolheu. Mas, assim como todas as cidades agora, está padecendo por conta da pobreza que a pandemia trouxe. Aqui, [a situação] não está tão diferente. Só que você vê, digamos assim, [uma pobreza] setorizada.

No Rio, a praia e a cidade são de todo mundo. Você convive com as favelas e essa proximidade é saudável. Se você sair aqui na rua [aponta para a janela de seu apartamento, com vista para o parque Buenos Aires], você não vê tanto. Agora, na praça Nossa Senhora da Paz, bem no coração de Ipanema, você vê.

CAMINHOS

Eu também tenho um jeito assim de não ficar sempre batendo na mesma tecla, né? A minha preocupação maior é sempre assim: "Por que que eu estou fazendo isso? Qual é meu objetivo de contar essa história?". Eu atuo totalmente com emoção. A razão, eu não sei onde é que ela está. Ela esqueceu de nascer comigo.

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