Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Quando você está na pior, muita gente desaparece', diz Ferrugem

Cantor de pagode revisita seus dez anos de carreira com a gravação de show, revela que prepara um novo disco de trap e de funk e se diz arrependido de ter apoiado Jair Bolsonaro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O cantor Ferrugem Ronny Santos/Folhapress

"Estou feito um leão dentro de uma gaiola", afirma o cantor Ferrugem, aos risos, momentos antes de subir ao palco do espaço Vibra, na capital paulista, para um show com gravação audiovisual em comemoração aos seus dez anos de carreira. "Ontem estava nervoso, cheguei a me sentir meio mal de saúde, mas é tudo coisa da ansiedade. Hoje, tive um dia maravilhoso. Estou doido para soltar essa energia."

A casa estava cheia para ver o artista que, aos 35 anos, é um dos principais nomes atuais do pagode. Quando as portas se abriram, por volta das 20h, o público correu para se amontoar no espaço próximo ao palco e ficar perto de Ferrugem, que começou o espetáculo com quase uma hora de atraso.

Os fãs, com os celulares quase sempre em punho, não perderam o entusiasmo nem mesmo quando as músicas tinham de ser repetidas para a gravação. Cantando as canções a plenos pulmões, o público acompanhou o cantor madrugada adentro.

Nos bastidores, o clima era de animação. Ferrugem conta que quis reunir artistas que o ajudaram em sua trajetória para celebrar uma década de estrada. Grandes nomes do gênero como Péricles, Mumuzinho, Sorriso Maroto e Turma do Pagode confraternizavam nos camarins e iam se revezando no palco para fazer duetos com o cantor.

"Tive muitos amigos que me ajudaram e que estão aqui hoje. Péricles é o meu maior ídolo. Se eu canto pagode, é por causa dele. Ainda não me acostumei a chamá-lo de um grande amigo", diz ele à coluna, que acompanhou os bastidores do show no início deste mês.

Ferrugem é Jheison Failde de Souza, nascido em Campo Grande, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. A música, lembra ele, sempre esteve presente em sua casa, especialmente por meio de sua mãe, que foi backing vocal de Tim Maia.

"Ainda pequenininho, acompanhava minha mãe cantando na noite. A primeira TV a cores da minha casa foi comprada com uma grana de uma gravação que ela fez com o Tim Maia. Meu tio canta, meu pai adora sertanejo antigo", narra.

O pagode, porém, ele só foi conhecer fora de casa, no começo de sua adolescência. E logo se encantou. "Estava de penetra numa festa de aniversário e tinha um menino tocando cavaquinho em uma rodinha de samba. Pedi para ver [o instrumento]. Quando peguei, ouvi aquele som… Aquilo me pegou de tal forma", segue.

Ferrugem conta que começou a pedir discos dos grupos Soweto e Katinguelê emprestados de uma amiga do bairro. "Dali pra frente, minha vida mudou. Nunca mais me vi fazendo outra coisa, nunca tive outro desejo que não fazer música e pagode."

Foi por volta dessa época que conheceu Mumuzinho, e os dois passaram a tocar juntos em rodas de pagode na capital fluminense. "Sei na pele o que é passar por dificuldade", diz ele sobre o começo da carreira e a vida na periferia da cidade.

"A gente se juntava para fazer um som, mas era muito sofrido. Tinha vezes em que a gente tocava em bares e, no final [da apresentação], não pagavam. Mas Deus abençoa e coloca tudo no seu lugar", completa Mumuzinho.

A projeção veio em 2014, com a gravação de "Infância", dueto com Reinaldo, conhecido como o príncipe do pagode. Na época, o cantor apelidou Ferrugem de seu "novo sobrinho". O jovem assinou com a gravadora Warner Music e lançou seu disco de estreia, "Climatizar", no ano seguinte.

O cantor Ferrugem
O cantor Ferrugem - Ronny Santos/Folhapress

Hoje, o artista tem a marca de mais de 8 milhões de ouvintes mensais na plataforma de música Spotify e já foi indicado ao Grammy Latino. Em 2022, se apresentou no Rock in Rio, no primeiro grande show de pagode da história do festival.

Ferrugem celebra o fato de o evento ter, nos últimos anos, dado espaço a ritmos historicamente ausentes em suas escalações, como o funk e o rap. "Até então, para mim, aquele era um ambiente completamente hostil. Pensei: ‘Cara, ferrou, o que eu vou fazer aqui?’. Mas aí me deparei com cerca de 90 mil pessoas cantando as minhas músicas", recorda.

"Foi inacreditável, foi a furada de bolha que a gente precisava enxergar para crer [que era possível]. Fez eu enxergar aonde o samba pode chegar."

Ferrugem afirma que o seu processo criativo gira muito em torno daquilo que o emociona. "Acho que esse egoísmo positivo é interessante. Primeiro, eu. Porque a única forma de eu conseguir emocionar quem está me ouvindo é se estou emocionado", explica.

O músico diz que os dez anos de carreira "marcam o fim e o começo de um novo ciclo". Ele irá lançar "Me Bloqueia", primeiro single da gravação ao vivo, na próxima quinta-feira (29). E revela que está preparando um novo disco, mas que não será de pagode: o trabalho vai flertar com o funk, o trap e o eletrônico.

O projeto começou ainda na época da pandemia de Covid-19, quando o músico ficou dois anos isolado dentro de casa. "Acabei me deparando com essa outra paixão que é produzir. Comecei a fazer cursos de beatmaker", diz.

"[O novo disco] é uma mistura que gira em torno da música eletrônica, de culturas que dizem muito sobre mim. Sou cria do subúrbio, e lá se escuta tanto pagode quanto funk e hip hop. São coisas que fazem parte da minha vivência desde moleque. Sinto essa necessidade de mostrar que também sei fazer essa parada. Vai ter trap, R&B, funk, mas esse funk de São Paulo, mais consciente."

Ferrugem se enche de orgulho ao dizer que é um "cara muito família". Ele é pai de Sofia, 6, de Aurora, 5, frutos do casamento com a mulher, Thais Vasconcellos, e de Julia, 13, de um relacionamento anterior. Estavam todos reunidos no camarim —a mais velha, inclusive, acompanhava animadamente o pai enquanto ele recebia fãs já de madrugada, por volta das 3h, após o show.

"A Julia teve uma virada de chave muito bacana. Ela era uma criancinha e, agora, está uma moça. A gente conversa sobre todos os assuntos, sobre meninos, sobre música. Ela é super antenada, é fã de rap, batalha de rima. Ter essa juventude dela por perto me deixa mais jovem", diz.

"Quando estou em casa, estou 100% focado na família. Gosto de levar e buscar minhas filhas no colégio, de levar minha mulher no salão e ficar esperando ela fazer a unha", segue, gargalhando.

Ele diz que o apoio da família foi essencial quando, em 2020, passou por uma depressão. "A minha esposa que conversou comigo, que me fez enxergar aquilo que precisava mover pra ter uma mudança na minha vida", afirma.

"Quando você está na pior, muita gente acaba desaparecendo. Nunca vou esquecer os que me ligaram e trocaram uma ideia muito bacana comigo, tipo o Bruno, do Sorriso [Maroto], o Xanddy, do Harmonia do Samba. Eles, de fato, me ajudaram muito a reconstruir a minha vida."

Até então, Ferrugem diz que tinha preconceitos relacionados com o cuidado com a saúde mental. "Eu era desses que falava assim: ‘Psicólogo? Não tô maluco’", lembra. "Mas quando você entende essa profissão, o trabalho que eles fazem para melhorar o ser humano, você fica viciado em psicólogo. Quer ir lá o tempo inteiro", acrescenta, rindo.

O cantor diz se arrepender por ter defendido o então candidato Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2018. "Eu gosto desse cara. Ele só é mal compreendido", escreveu Ferrugem em suas redes sociais, na época.

Hoje, o cantor chama o agora ex-presidente de "vacilão". "A gente acaba amadurecendo e repensa nossas falas e atitudes. Entendi a seriedade que é falar de política nesse país que sofre pra caramba, que ainda tem a maioria da população passando fome, com falta de saneamento."

"Eu sou cria da zona oeste do Rio de Janeiro, sei o que é sofrimento. Hoje em dia, vejo que não teve a menor graça o que eu falei. Ele [Bolsonaro] não tem a menor graça também."

Ainda no campo da política, Ferrugem celebra o retorno do Ministério da Cultura no governo Lula. "Hoje, sou um artista estruturado, posso fazer o que eu quiser a nível de trabalho, mas e as pessoas que não têm oportunidade? Os artistas, sejam da música, do teatro ou do cinema, precisam ser ouvidos, ser abraçados e precisam ter assistência para que possam mostrar o trabalho deles", defende o artista.

"A arte tem que ser levada a sério, porque mexe no turismo, na economia. Quando a gente olha para esses profissionais com um pouco mais de carinho e atenção, a gente entende a importância de cada artista, de cada técnico, de cada produtor, de cada profissional que trabalha no show business."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.