Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Folhajus aborto STF

Direito não se negocia, e recuo contra o aborto legal não será aceito, afirmam autores de ação no STF

Signatários dizem que parlamentares propõem 'escambo político' para manobrar a opinião pública após desgaste

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Autores da ação que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) e motivou a criação do PL Antiaborto por Estupro na Câmara dos Deputados, o PSOL, a Anis: Instituto de Bioética e a Clínica Jurídica Cravinas, da UnB (Universidade de Brasília), afirmam que não cederão a uma "negociata" proposta pelo autor do projeto de lei, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

O parlamentar afirmou, em entrevista ao UOL, que estaria disposto a retirar a proposta de tramitação caso o PSOL decline da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 1141 junto à corte. Para os autores, no entanto, o raciocínio de Sóstenes é equivocado.

Mulheres protestam, em Brasília, contra projeto de lei que altera as regras para o aborto legal - Pedro Ladeira - 13.jun.2024/Folhapress

"A ação que contesta o abuso de poder do CFM [Conselho Federal de Medicina] não pertence mais aos proponentes, ela é uma ação de todas as meninas, mulheres e pessoas que apoiam que nenhuma menina, mulher ou pessoa deva ser submetida a maus tratos e tortura, como é o estupro", afirmam, em nota.

O partido, a organização e a clínica jurídica se insurgiram contra uma resolução editada pela autarquia médica que vetava a realização da assistolia fetal para interromper gestações decorrentes de estupro acima de 22 semanas. O procedimento é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Em decisão liminar proferida em maio, o ministro Alexandre de Moraes atendeu à demanda e suspendeu a norma. O magistrado ainda barrou punições e a abertura de processos administrativos contra médicos que seguissem realizando o procedimento. A ação, agora, será julgada pelo plenário do STF.

O PSOL, a Anis e a Clínica Jurídica Cravinas afirmam que não aceitarão "nenhum retrocesso em relação ao direito ao aborto legal" e ponderam que a proposta do ex-presidente da bancada evangélica no Congresso é, sobretudo, juridicamente inviável.

"De acordo com a jurisprudência vigente do Supremo Tribunal Federal, o autor não pode desistir de ação de controle abstrato de constitucionalidade, como é o caso da ADPF 1141, proposta contra resolução do CFM", afirmam.

"Não se trata de mero preciosismo jurídico, há uma razão de ser: uma ação abstrata trata de direitos coletivos de interesse público, e não dos interesses privados de quem a propõe", pontuam.

Na nota, os proponentes da ação ainda dizem que o "escambo político" proposto pelo parlamentar, se aceito, faria com que a resolução do CFM voltasse a ser válida. Assim, seriam impostas, na prática, as mesmas violações pretendidas com a aprovação do PL Antiaborto.

"Negociações escusas, fora dos ritos legais e das previsões institucionais ferem a democracia e colocam em risco o debate público, transparente e republicano da defesa de direitos de todas as pessoas, particularmente as mais vulneráveis, como são as meninas sobreviventes de violência sexual", afirmam os autores, em nota.

"Os deputados que apresentaram essa proposta buscam manobrar a opinião pública a respeito de sua responsabilidade e desgaste diante de um projeto que foi amplamente contestado pela sociedade. Não aceitaremos esse tipo de provocação. Direito não se negocia", acrescentam.

Como mostrou a coluna, o PL Antiaborto por Estupro não deve ser aprovado pela Câmara dos Deputados. A ampla repercussão negativa da proposta minou o apoio que ela tinha além das fronteiras da bancada evangélica.

Uma das maiores críticas se centrou no fato de que o texto prevê que uma vítima de estupro que opte pela interrupção acima de 22 semanas seja punida com reclusão de seis a 20 anos —prazo superior ao previsto para estupradores, que podem ser condenados a até dez anos de prisão.

Leia, abaixo, a íntegra da nota assinada por PSOL, Anis e Clínica Jurídica Cravinas:

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) teria afirmado à coluna de Raquel Landim do UOL que estaria "disposto a retirar do Congresso o projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio desde que o PSOL também recue na ação que move no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre assistolia fetal".
As entidades proponentes da ação ao STF entendem que não cabe a desistência da ação e abaixo esclarecem os equívocos desta proposta:

1.O PSOL, a Anis e a Clínica Juridica Cravinas (Universidade de Brasília) não negociam o direito de mulheres, crianças e pessoas que gestam. Não aceitaremos nenhum retrocesso em relação ao direito ao aborto legal. Prever crime de homicídio para sobreviventes de estupro e profissionais médicos é abjeto e cruel, revitimizando pessoas que sofreram violência e restringindo um direito que data de 1940.

2.⁠ ⁠A proposta não é sequer juridicamente possível. De acordo com a jurisprudência vigente do Supremo Tribunal Federal, o autor não pode desistir de ação de controle abstrato de constitucionalidade, como é o caso da ADPF 1141, proposta contra resolução do CFM. Não se trata de mero preciosismo jurídico, há uma razão de ser: uma ação abstrata trata de direitos coletivos de interesse público, e não dos interesses privados de quem a propõe. A ação que contesta o abuso de poder do CFM não pertence mais aos proponentes, ela é uma ação de todas as meninas, mulheres e pessoas que apoiam que nenhuma menina, mulher ou pessoa deva ser submetida a maus tratos e tortura, como é o estupro.

3.⁠ ⁠Na hipótese equivocada de que fosse possível um escambo político dessa magnitude, a resolução do CFM voltaria a valer, a qual é a origem de toda a controvérsia de restrição de direitos em debate. A resolução do CFM viola a liberdade científica de profissionais da medicina que corretamente utilizam os melhores e mais seguros procedimentos em saúde para realizar o aborto já previsto em lei no Brasil, conforme recomendações da Organização Mundial de Saúde e entidades médicas da ginecologia e obstetrícia. Ao fazê-lo, a resolução impunha na prática as mesmas violações de direitos propostas no PL 1904/2024: tornava arriscado e inacessível o aborto legal para meninas sobreviventes de estupro que demorassem a ser socorridas, obrigando-as a sobreviver em estado de intenso sofrimento à violência dos estupradores.

4.⁠ ⁠Por fim e ainda mais grave, é preciso atentar que uma democracia não se move por negociatas entre os poderes. Os três poderes da República são separados e legitimados para proteção de direitos ameaçados em diferentes esferas, conforme suas competências. A competência do Supremo Tribunal Federal é de responder às demandas que cheguem à corte, por provocações legítimas da sociedade civil e outros atores. O poder judiciário não age de maneira ativa, mas uma vez demandado, não pode se furtar a responder. Não é possível voltar atrás, como se a Suprema Corte não tivesse mais conhecimento da grave violação de direitos perpetrada pelo CFM em sua resolução. Uma negociata dessa natureza levaria a um grave precedente antidemocrático no país, distorcendo a função de proteção da Constituição e de direitos fundamentais que cabe ao STF. Além de não ser possível por nenhuma previsão legal, poderia ser facilmente revertida por qualquer outro parlamentar que decidisse propor PL semelhante adiante. Negociações escusas, fora dos ritos legais e das previsões institucionais, ferem a democracia e colocam em risco o debate público, transparente e republicano da defesa de direitos de todas as pessoas, particularmente as mais vulneráveis, como são as meninas sobreviventes de violência sexual.

5. Os deputados que apresentaram essa proposta buscam manobrar a opinião pública a respeito de sua responsabilidade e desgaste diante de um projeto que foi amplamente contestado pela sociedade. Não aceitaremos esse tipo de provocação. Direito não se negocia.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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