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Descrição de chapéu Folhajus aborto STF

Moraes suspende processos e proíbe punição a médicos por aborto legal acima de 22 semanas

Decisão do magistrado atinge medidas motivadas por resolução do Conselho Federal de Medicina

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Brasília

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes determinou, nesta sexta-feira (24), a suspensão de todos os processos judiciais e procedimentos administrativos e disciplinares motivados pela resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que restringia o aborto legal acima de 22 semanas.

O magistrado ainda proibiu a instauração de qualquer novo procedimento contra os profissionais de saúde baseado na norma, suspensa por ele em decisão do último dia 17.

O ministro Alexandre de Moraes, em sessão plenária do STF - Pedro Ladeira - 28.fev.2024 / Folhapress

"SUSPENDO, imediatamente, até o final do julgamento da presente ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental], todos os processos judiciais e procedimentos administrativos e disciplinares decorrentes da aplicação da Resolução CFM 2.378/2024", afirma o ministro do Supremo.

"PROÍBO a instauração de qualquer procedimento administrativo ou disciplinar com base na referida resolução. Comunique-se ao Conselho Federal de Medicina e a todos os conselhos regionais, para ciência e imediato cumprimento desta decisão", segue ele.

A determinação desta sexta é complementar à decisão proferida pelo magistrado na semana passada. Na ocasião, Moraes suspendeu os efeitos da norma liminarmente, até que o caso seja apreciado pelo plenário do STF.

O ministro afirma que chegaram aos autos "notícias de que 'recentemente ocorreram casos de aborto de fetos com mais de 22 semanas de gestação, levando à suspensão profissional de médicas que realizaram o procedimento'" —e que o episódio, inclusive, gerou manifestações populares em frente à sede do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp).

O trecho citado e que motivou a nova decisão de Moraes foi extraído de um pedido de ingresso no processo feito pelo próprio conselho médico paulista. Na intenção de defender a manutenção da norma do CFM, o Cremesp admitiu à corte que tem punido profissionais de saúde que realizam abortos legais.

"Em vista do exposto, e pelos mesmos fundamentos já assentados na decisão monocrática, compreendo ampliado o perigo de dano decorrente do não acautelamento das situações fáticas relacionadas à controvérsia constitucional submetida à apreciação do tribunal", decidiu Moraes.

A suspensão dos processos e a proibição de punição contra médicos pode interferir diretamente em casos que correm no Cremesp: a autarquia estadual admitiu ao STF ter aberto diligências contra profissionais com base na norma do CFM que vetava a assistolia fetal.

O procedimento envolve a injeção de produtos químicos que interrompem os batimentos cardíacos do feto. Ele é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para casos de aborto legal acima de 20 semanas.

A assistolia é indicada, entre outras razões, para evitar que o feto seja expulso com sinais vitais antes da sua retirada do útero, além de prevenir o desgaste emocional e psicológico das pacientes e das equipes médicas.

Ao pedir seu ingresso como amicus curiae (amigo da corte) no processo que suspendeu a norma do CFM, o conselho médico paulista afirmou, categoricamente, que "a Resolução CFM nº 2.378/2024 embasou fiscalizações realizadas pelo Cremesp, que apuram as práticas realizadas".

Esta é a primeira vez que a autarquia paulista admite, publicamente, que suspendeu "médicas que realizaram o procedimento" de aborto legal em gestações superiores a 22 semanas.

Como revelou a coluna no mês passado, o Cremesp tem encabeçado uma ofensiva contra médicos que trabalham no Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista, e realizaram o procedimento em mulheres vítimas de estupro.

O conselho paulista já votou, por unanimidade, pela interdição cautelar de duas médicas, em um processo que pode levar à cassação definitiva de seus registros —a palavra final cabe ao CFM. Outros médicos do Cachoeirinha também se tornaram alvos de sindicâncias.

Ao comentar o caso perante o STF, o Cremesp afirmou que sua decisão em punir as médicas "influenciou na suspensão do programa aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha".

Considerado referência na capital paulista e um dos poucos, em todo o estado de São Paulo, que interrompia gestações mais avançadas, o serviço de aborto legal foi suspenso na unidade de saúde em dezembro do ano passado.

Poucas semanas depois, meninas vítimas de estupro tiveram que viajar a outros estados para ter acesso à interrupção legal. Uma delas, de 12 anos de idade, foi para Uberlândia (MG). A outra, de 15 anos, viajou a Salvador.

Elas foram assistidas pela ONG Projeto Vivas, organização que se dedica a viabilizar o acesso à interrupção legal e foi procurada por dezenas de pacientes após a suspensão no Cachoeirinha.

A versão do Cremesp para a suspensão do serviço diverge da justificativa que tem sido apresentada pela Prefeitura de São Paulo, que diz ter interrompido o serviço no local para dar lugar a "cirurgias eletivas, mutirões cirúrgicos e outros procedimentos envolvendo a saúde da mulher".

Nesta semana, o presidente do conselho médico paulista, Angelo Vattimo, afirmou em depoimento à Câmara Municipal de São Paulo que o órgão acessou mais de cem prontuários de pacientes que realizaram abortos no Cachoeirinha.

No início do mês, a Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o acesso da Prefeitura de São Paulo a dados sigilosos das pacientes atendidas.

Como mostrou a Folha, a resolução do CFM, suspensa por decisão de Moraes, vinha dificultando a realização de abortos legais em vítimas de estupro, uma vez que médicos temiam ser punidos por seus conselhos médicos.

Muitas meninas e mulheres que são abusadas sexualmente só descobrem a gravidez de forma tardia e, diante da restrição, tinham o acesso ao procedimento previsto em lei ainda mais dificultado por causa da norma.

A ação que levou à suspensão liminar da norma foi proposta pelo PSOL e pela organização Anis — Instituto de Bioética, que sustentam que ela institui "tratamento discriminatório no acesso à saúde", indo na contramão das situações previstas em lei para a realização do aborto legal no Brasil.

Eles ainda defenderam que a norma é inconstitucional por dar margem incorrer em "violação grave do direito à saúde e de acesso universal e igualitário aos serviços".

Atualmente, o aborto é considerado legal no Brasil em situações de gravidez após estupro, de feto anencéfalo e quando há risco de morte materna, não sendo estabelecido, em lei, um limite gestacional para o procedimento.

Leia, abaixo, a íntegra da decisão proferida por Alexandre de Moraes nesta sexta-feira:

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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