Muniz Sodré

Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

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Muniz Sodré

O samba do Chico Buarque

Nova canção do músico foi acolhida em segmentos diversos como um acontecimento

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A última canção de Chico Buarque tem toque de gênio na autoria e na recepção. Do artista já se conhece o brilho solar, mas a canção foi acolhida em segmentos diversos como um acontecimento, portanto, como uma marcação social diferenciada. É que, no contexto atual da vida brasileira, golpeada por sobressaltos sanitários, econômicos, políticos e morais, numa escala inédita na história do país, espera-se geralmente que a boa repercussão pública de algo reflita a urgência da reconstrução. Chico, voz das mais politizadas, limitou-se a perguntar, compondo, "que tal um samba?"

O cantor e compositor Chico Buarque - Francisco Proner/Divulgação

Tanto quanto a letra da canção, é a própria ideia de samba que instiga. A presença ativa do artista na cena brasileira não deixa esquecer que ele, integrante de uma geração notável de criadores da música popular, tem sido politicamente marcante no que há de generoso ou esperançoso para com as agruras coletivas. Afinal, o que balançou o corpo do povo nos longos e asfixiantes anos da ditadura militar foi o grito cantado. Reiterada como forma de integração rítmica do homem na sociedade, a música cerrou fileiras com a democracia.

No Brasil, essa forma não habita popularmente qualquer gênero. O samba carioca constitui uma diferença ao mesmo tempo cultural e política, porque é a imagem nacional de uma síntese ou uma unidade: a reinterpretação federal da diversidade rítmica em vários territórios negros sob a designação de samba. É também uma forma em que o ritmo afro convoca estruturalmente o corpo para a dança.

Musicalmente, a célula rítmica faz a ponte, por absorção simbólica, entre o espaço sagrado das divindades afros e os lugares globais da festa. Isso é algo essencial, pois cosmicamente vinculado ao entorno de homens e árvores: "ao som do samba/ dança até o arvoredo" (Noel Rosa). Isso pode ser sentido por negros e brancos. Chico Buarque é herdeiro espiritual tanto de Noel como de Ismael, portanto, zelador de original parceria entre morro e asfalto.

Agora, com astuta simplicidade, o artista convida para o melhor na reanimação do espírito coletivo: a adesão à alegria dessa forma singular de encontro musical, evidência histórica da genialidade negra que sempre viveu e vive o samba como um poema social, ou seja, como um modo de pensar, sentindo. Por isso, talvez se possa ler o convite como que tal "o" em vez de "um" (que, aliás, é samba-salsa), isto é, que tal auscultar o que bate generosamente no corpo interno da nação: um amanhã sem ódio, que canta. Assim foi recebido, por sentimento compartilhado. Sentimento é fruto que só dá no tempo, é offline e chega aos poucos, pois "o pandeiro bate/ é dentro do peito/ mas ninguém percebe" (Drummond, em Brejo das Almas, 1934).

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