Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nabil Bonduki
Descrição de chapéu

Querem dar um passa-moleque no Plano Diretor

PDE não pode ser alterado a cada governo, virar moeda de troca ou atender a um só setor

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Planejar as cidades é uma tarefa básica que o Estado brasileiro nunca tratou com seriedade. As cidades cresceram, de forma caótica, atendendo aos interesses imobiliários. Apenas após intensa urbanização, a Constituição de 1988 criou um capítulo de Política Urbana e o Estatuto da Cidade (2001).

O Plano Diretor tornou-se o instrumento básico de desenvolvimento urbano, como política de Estado, hierarquicamente superior a outras leis, planos e programas, que devem seguir suas diretrizes. Por isso, requer participação da sociedade, aprovação com maioria qualificada e estabilidade.

Instrumento orientador de longo prazo, não pode ser alterado a cada governo, ser moeda de troca ou atender a um só setor. Tudo lógico e civilizado, mas a gestão Doria ignora esses avanços.

De forma envergonhada, tenta enganar os paulistanos. Disfarçada como “ajustes e normas complementares” à Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), lançou uma minuta de projeto de lei que altera substancialmente o Plano Diretor Estratégico (PDE), cuja revisão está prevista para 2021.

A proposta é inconstitucional. Em 2015, o STF deliberou, com relatoria de Teori Zavascki, “tese, com repercussão geral, que os municípios (...) podem legislar sobre (...) ordenamento do espaço urbano (apenas) por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”.

Não é o caso. Estudo de Bianca Tavolari, do Cebrap, mostrou em detalhes que “existem várias incompatibilidades” entre o texto da minuta e as diretrizes do PDE. “O critério estabelecido pelo STF não está sendo cumprido”, conclui.

Rompendo com a lógica urbana do século 20, o PDE propôs uma nova estratégia para a cidade, amplamente debatida e pactuada. A ONU-Habitat premiou a inovação e difunde o PDE como um exemplo de inclusão e sustentabilidade.

Vista do Campo Belo, na zona sul paulistana; proposta de alteração do Plano Diretor estimula a verticalização de bairros
Vista do Campo Belo, na zona sul paulistana; proposta de alteração do Plano Diretor estimula a verticalização de bairros - Leonardo Soares - 30.jan.2014/Folhapress

Mas a minuta o descaracteriza para atender a interesses privados. Reduz o valor da outorga para os promotores imobiliários, diminuindo seu caráter redistributivo. Descaracteriza as Zeis 3, que facilitam a habitação social bem localizada. Rompe com a lógica dos eixos de transporte de massa. Estimula a verticalização nos bairros. Facilita a especulação com terrenos ociosos, camuflados de estacionamentos.

O desastre é tal que 156 entidades, de diferentes posições (movimentos de moradia, ambientalistas, associações de bairros de classe média e alta, centros de pesquisa etc) se uniram contra a ilegal revisão.

Leis específicas, em temas como retrofit e construções sustentáveis, além de correções na LPUOS que facilitem sua aplicação, devem ser propostas, desde que sigam as diretrizes do PDE. O que é inaceitável é confundir “ajustes” com a descaracterização de um plano que dá um futuro para a cidade.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.