Até os anos 1990, a Cidade Universitária era aberta aos finais de semana para os paulistanos, que usufruíam de uma área verde encravada na cidade. O campus ficava lotado, com gente caminhando, bicicletando, batendo bola ou fazendo piquenique na grama. Nada mais justo: a USP vive de recursos públicos.
Mas, em 1996, o reitor acabou com essa opção de lazer alegando que ela gerava despesas de manutenção e vandalismo. O acesso foi proibido e instalaram-se guaritas e muros em volta da Cidade Universitária, como um condomínio fechado.
Nasceu aí o muro de concreto entre a raia olímpica e a marginal. Horroroso como arquitetura, era pior no aspecto simbólico. Representava, no plano do urbanismo, a distância que tem separado a universidade pública da sociedade.
O muro era horrível, mas apenas a falta de prioridades e de um plano urbanístico da Cidade Universitária explica a insensatez de aceitar a “oferta” de João Doria de trocá-lo por um paredão de 2,2 km de vidro.
Em 2017, o ex-prefeito pedia doações para viabilizar ideias que reforçassem a imagem de gestor. Empresas abriram o cofre e deram, pelo menos, R$ 15 milhões para instalar o muro de vidro, para dar transparência entre o verde da USP e a marginal.
Não causa mais estranheza Doria ter proposto um projeto não prioritário, com o bolso dos outros. Surpreende a USP ter aceito um “Cavalo de Troia”, sem avaliar o “day after”, como o custo de manutenção, segurança e limpeza.
Em três meses, 11 vidros foram quebrados. Para evitar mais danos, viaturas da GCM e câmeras de segurança vigiam o cristal. Cerca de 6.600 m² de vidros, submetidos à fumaça negra da marginal, precisam ser limpos. Isso em meio ao desequilíbrio orçamentário e às inúmeras carências da USP.
A proposta expõe o atraso urbanístico que vigora na Cidade Universitária, apesar da qualificação do corpo docente da USP. Ela é tratada como um condomínio fechado, impermeável a uma concepção contemporânea de urbanismo.
Trocar concreto por vidro manteve a USP murada. Com menos recursos, a área livre poderia ser reaberta para a população. A GCM e as câmeras poderiam cuidar das pessoas e do espaço em vez de proteger o muro de cristal. A limpeza seria do verde, não dos vidros.
Em urbanismo, a Cidade Universitária está mais atrasada que São Paulo, além de abrir mão de receitas. Não cobra estacionamento nem multa os infratores de trânsito, estimulando o carro. Inexistem áreas comerciais, pois vigora um zoneamento unifuncional quando se recomenda o uso misto.
Os R$ 15 milhões gastos no muro dariam para construir alojamentos para cerca de 800 estudantes carentes, que morariam próximo ao local de estudo. Precisa falar mais?
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