Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Trapalhadas de Doria na licitação abrem uma oportunidade para o Ibirapuera

Bruno Covas tem a chance de repensar o modelo de concessão que herdou de seu antecessor

Parque do Ibirapuera, na zona sul paulistana
Parque do Ibirapuera, na zona sul paulistana - Zanone Fraissat

Às vésperas de abrir os envelopes da licitação da concessão do Ibirapuera, Bruno Covas adiou o certame.

O edital omitiu as obrigações dos concessionários em relação aos parques periféricos, integrantes do “combo” criado por Doria para entregar o principal parque de São Paulo. Afinal, eles eram periféricos!  

Em seguida, o governador Márcio França teve um chilique eleitoral e solicitou a suspensão da licitação. Áreas do estado eram concedidas sem seu aval. 

Ambos os casos expõem a “excelência” do ex-prefeito Doria como gestor, em tema prioritário para ele. A licitação teve que ser suspensa por falhas primárias.

Às vezes, a incompetência vem para o bem. Ao suspender a licitação, o prefeito tem a chance de repensar o modelo de concessão que herdou de seu antecessor. 

A gestão não estatal de parques pode ser uma alternativa, mas requer que os concessionários não tenham fins lucrativos. A prefeitura optou pelo contrário: exige que seja uma empresa que visa o lucro. 

 
A experiência internacional mostra que em lugar nenhum essa possibilidade foi adotada. Nos EUA, o modelo de gestão não estatal existe desde os anos 1980, mas sempre com entidades sem fins lucrativos, como no caso do Central Park. 

Ele é gerido pelo Central Park Conservancy (CPC), uma organização social sem fins lucrativos, que emergiu na crise fiscal de Nova York. Mobilizando cidadãos e a sociedade civil, ela organizou ações voluntárias de manutenção e buscou doações, hoje sua principal receita.

Segundo Rafael Birmann, que se especializou no tema gerindo o parque Burle Marx, o modelo da prefeitura é inadequado para um espaço público, onde as demandas para serviços e manutenção são sempre elásticas. Quem fará trabalho voluntário ou doará, receitas do sucesso do Central Park, para aumentar o lucro privado.

Outra lacuna é a ausência de um plano diretor participativo do parque, que deveria anteceder a concessão, como reivindica seu conselho gestor. Por 35 anos, o parque terá que suportar a anacrônica presença de 1.100 vagas para carros, pois essa é a principal receita prevista.

O complexo cultural —Oca, Auditório e Museu das Culturas— está ameaçado. Preocupada em ampliar a receita, a empresa reduzirá as atividades de cultura, explorando os belos edifícios de Niemeyer para eventos corporativos ou festas, sem relação com a destinação dos equipamentos.

Inexiste uma fórmula mágica que garanta o caráter público e cultural de um parque sem custo para o governo. É possível e necessário inovar na gestão, superando a burocracia da administração estatal, mas isso não pode afetar a alma do principal parque paulistano.

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