Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

Por que é um equívoco mudar a sede do governo de SP para o centro como propõe Tarcísio

Fugindo dos debates, Tarcísio esconde seu vínculo bolsonarista e evita aprofundar a discussão de seu frágil programa de governo

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O candidato de Bolsonaro a governador de SP, Tarcísio de Freitas, anunciou que não participará de vários debates que estavam confirmados. Ele reproduz o Bolsonaro de 2018, que utilizou a "facada" como justificativa para se ausentar. Tarcísio não tem sequer essa desculpa.

É lamentável, pois os debates permitem ao eleitor conhecer melhor quem ele é, o que pensa e o que está propondo. Tarcísio é um desconhecido da população de São Paulo e seu programa de governo é genérico e vago. Apesar disso, o candidato ocupa o primeiro lugar nas pesquisas, com 46% contra 41% de Fernando Haddad (Ipec, 11/10).

A decisão de evitar os debates veio após o enfrentamento com Haddad na Band (10/10), quando ficou claro seu compromisso com as barbaridades praticadas pelo governo Bolsonaro, como o orçamento secreto, e quando foi obrigado a detalhar algumas das suas propostas, como a transferência da sede do governo para o centro, demonstrando as fragilidades de seu programa e seu desconhecimento sobre São Paulo.

Tarcísio de Freitas (Republicanos) em debate na Band - Bruno Santos - 10.out.2022/Folhapress

Tentando se apresentar como um técnico neutro e imune ao radicalismo de extrema direita, ao ser encostado na parede no debate, Tarcísio não pode disfarçar que é um refém do bolsonarismo e do centrão. Só o apoio desses segmentos explica sua meteórica ascensão eleitoral, assim como deles precisará para governar com maioria na Assembleia.

Mas é na fragilidade de seu programa, sobretudo quando é obrigado a detalhar as propostas em debates e entrevistas, que se revela sua fraude maior, a de que é um técnico competente e informado.

No debate da Band, afirmou que irá transferir a sede do governo do estado, atualmente no Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, para o centro. Em seu programa, em um item intitulado Reurbanização do centro de São Paulo, a proposta aparece como "implementar o polo administrativo Campos Elíseos, com objetivo de recuperar essa região degradada da cidade".

A proposta mostra que o candidato e quem o está orientando estão defasados trinta anos no entendimento da cidade e desconhecem as atuais diretrizes urbanísticas de São Paulo, expressa pelo Plano Diretor de 2014, amplamente apoiado pela sociedade.

Por que esta proposta é equivocada?

Quando Erundina transferiu a sede da prefeitura, do Ibirapuera para o centro, em 1991, havia um esforço de várias instituições para manter a região como uma área nobre de comércio, serviços e escritórios, buscando recuperar o esplendor dos anos 1920 a 1970.

Objetivava-se deter o processo de mudança de empresas e escritórios para novas centralidades no centro expandido, sobretudo na Paulista, Faria Lima, Berrini e marginal do Pinheiros, assim como do comércio de luxo para os shoppings, o que provocava o esvaziamento imobiliário do centro.

Expressão dessa perspectiva foi a criação, em 1991, da ONG "Viva o Centro", patrocinada por empresas ainda sediadas na região como o Banco de Boston, que visava "transformar a área central de São Paulo em um grande, forte e eficiente centro metropolitano".

Por razões que não cabem em um artigo curto, esse esforço se frustrou e não deteve o processo imobiliário em curso, que contou ainda com o apoio da gestão Maluf (1993-96), que investiu fortemente na Operação Urbana Faria Lima (1995).

A maioria das empresas e escritórios de elite deixaram a região, que se popularizou, com um comércio voltado para os setores de baixa e média baixa renda. Muitos edifícios, obsoletos e com problemas construtivos, ficaram vazios ou ociosos e, a partir da 2ª metade dos anos 1990, começaram a ser ocupados pelos movimentos de sem-teto.

Apesar disso, no centro histórico e no anel de distritos em torno da Sé se mantiveram áreas dinâmicas de comércio especializado, como a Santa Ifigênia, a 25 de Março, o Bom Retiro, o Brás, o Pari e a zona atacadista.

Ademais, nesse período, se reforçou a concentração de equipamentos culturais no centro, com a implantação, entre outros, de Pinacoteca, Sala São Paulo, Museu da Língua Portuguesa, Galeria Olido, Centro Cultural Banco do Brasil e Paço das Artes.

Por isso, o centro continuou concentrando muitos empregos e atraindo trabalhadores de toda a cidade, sobretudo da zona leste, onde vivem quase 40% dos moradores e são escassas as oportunidades de trabalho e renda. São nessas regiões periféricas que é necessário criar empregos, e não no centro.

A partir dessa análise, o Planos Diretor de 2014 (PDE) estabeleceu como um dos objetivos estratégicos aproximar a moradia do trabalho, reduzindo a necessidade de longos deslocamentos.

Para tanto, priorizou a promoção de habitação em áreas que concentram o emprego, como o centro, e o estímulo a atividades econômicas nas regiões onde existem muitos moradores e poucas oportunidades.

O modelo urbano preconizado pelo PDE objetiva romper com a estrutura radio-concêntrica, baseada em um centro hipervalorizado e uma periferia sem emprego, propondo uma cidade policêntrica, ou seja, com várias centralidades. Com esse objetivo, propõe a criação de áreas de desenvolvimento econômico em regiões periféricas com grande potencial urbano.

Como Tarcísio desconhece esse processo e o debate que embasou o Plano Diretor de São Paulo, trouxe uma proposta antiga e extemporânea, em total desacordo com os objetivos de planejamento da cidade.

Transferir a sede do governo de São Paulo para o centro é um grande equívoco que reforça, com grande investimento público, o modelo radio-concêntrico que quer alterar, gerando especulação imobiliária, gentrificação, valorização da terra e mais empregos onde é necessário produzir mais moradias, sobretudo de interesse social, para aproximá-las do trabalho.

Mudar a sede do governo do Morumbi é uma ideia a ser estudada, com ampla participação e avaliação do custo-benefício. Mas, com certeza, o destino não deveria ser o centro de São Paulo, mas uma região do estado ou da região metropolitana onde se queira gerar uma nova centralidade e um polo de desenvolvimento e inovação, ampliando as oportunidades para uma população excluída.

O programa de política urbana do candidato Tarcísio está repleto de propostas inexequíveis e inviáveis técnica e financeiramente, como construir e entregar 550 mil moradias em quatro anos, acabar com a população de rua e enterrar 12 km dos trilhos entre a Lapa e o Brás. Talvez por isso ele não queira vê-las colocadas em xeque nos debates.

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