Nelson de Sá

Correspondente da Folha na Ásia

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Nelson de Sá
Descrição de chapéu Brics

Confronto China-EUA foi ensaiado no cinema

'Lobo Guerreiro 2', disponível na Amazon Prime Video, deu nome à nova diplomacia chinesa, que reage atirando

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O embate diante das câmeras entre os dois principais diplomatas chineses e seus dois colegas americanos no Alasca, uma semana atrás, foi o primeiro contato do governo Joe Biden com a diplomacia “wolf warrior”, lobo guerreiro.

Foi descrito como tal, do Washington Post à Bloomberg e ao japonês Nikkei.

A expressão vem se tornando corrente, para retratar a assertividade cada vez maior dos enviados chineses ao redor do mundo.

Um exemplo é o próprio embaixador no Brasil, Yang Wanming, em suas respostas em mídia social ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.

No Alasca, a performance que marcou o encontro foi de Yang Jiechi, membro do Politburo e ex-embaixador em Washington, respondendo, depois de uma primeira intervenção do secretário de Estado, Antony Blinken, que os Estados Unidos não podem mais tratar a China a partir de uma posição de força —ou de superioridade.

Wu Jing em ‘Lobo Guerreiro 2’, de 2017, a maior bilheteria da história para uma produção em língua não inglesa - Divulgação

O apelido “wolf warrior” deriva de um filme de 2017, “Lobo Guerreiro 2”, dirigido e protagonizado por Wu Jing, segunda produção de uma franquia que emula aquela de Rambo, iniciada em 1982. A série representa para o líder chinês, Xi Jinping, o que os filmes de Sylvester Stallone representaram para ex-presidente americano Ronald Reagan.

No Brasil, o filme está disponível na plataforma americana Amazon Prime Video, em mandarim e um pouco de inglês, com legendas em português.

A expressão começou a ser usada para a diplomacia chinesa há dois anos, tendo como ponto de partida uma troca de mensagens sobre racismo nos EUA —entre Zhao Lijian, então na embaixada no Paquistão, e a ex-assessora de Segurança Nacional e ex-embaixadora americana na ONU Susan Rice, via Twitter.

Zhao foi depois promovido a porta-voz do ministério das relações exteriores e ocupou a linha de frente da resposta ao “vírus chinês”.

Naquele primeiro momento, meados de 2019, se evidenciava o impacto comercial e patriótico de “Lobo Guerreiro 2”, que se tornou a maior bilheteria da história para produção em língua não inglesa.

O serviço em mandarim da BBC e o próprio Global Times ou Huanqiu, tabloide nacionalista editado por Hu Xijin, adotaram então a expressão, para a diplomacia.

Como John Rambo, o personagem principal, Leng Feng, é um ex-soldado, agora trabalhando, meio perdido, na costa da África. Ele começa o filme salvando, numa cena de ação espetacular, com golpes de artes maciais debaixo d’água, a tripulação de um cargueiro gigante atacado por piratas.

Diferente de Stallone, Wu não é ostensivamente musculoso, mas seu personagem não é menos mortal. Por outro lado, ao longo de duas horas, ampara e defende jovens negros, muitos deles seus amigos, inclusive um adolescente de quem cuida quase como pai.

O vilão é quem remete mais, fisicamente, a Rambo. É um mercenário americano, Big Daddy, interpretado pelo ator Frank Grillo. Ele é mais conhecido como antagonista do Capitão América ou do ator Liam Neeson, mas acaba de estrear seu primeiro protagonista do bem, no filme "Boss Level - O Último Nível”, contra um malvado Mel Gibson.

Como Rambo, Leng tem traços dramáticos, carregando traumas de combates passados, e é um “lobo solitário”, quase rebelde à hierarquia, contrastando com o clichê de um herói do Exército Popular de Libertação. Não falta sequer um interesse romântico para o protagonista, numa linda médica interpretada pela sino-americana Celina Jade.

Mas “Lobo Guerreiro 2” é antes de mais nada uma costura de várias e longas cenas de ação, do combate físico a ataques de drones e uma batalha de tanques, contrapondo Wu e Grillo.

O confronto entre eles segue até perto do final e carrega nos poucos diálogos para mostrar que quem está ao lado dos africanos oprimidos e da ONU é o ex-soldado chinês —e quem não liga para eles é o americano.

“Pessoas como você sempre serão inferiores a pessoas como eu, acostume-se”, fala Big Daddy em inglês, após esfaquear Leng seguidamente e prestes a matá-lo. Mas Leng reage e o esfaqueia 11 vezes, até matá-lo. Diz então em seu ouvido, em mandarim, “Você virou história”.

Alegoricamente, não é muito distante do que encenaram Antony Blinken e Yang Jiechi, no frio do Alasca.

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