Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Pedimos isso, e é isso que recebemos

Consumidores querem comida barata e previsível e é isso que o agronegócio produz

Não tem mesmo outro jeito. Temos que comer. Para comer gastamos energia. E como está o agronegócio? Para cada caloria que ingerimos queimamos dez em energia fóssil.

Qual seria a terceira opção? Não conseguimos concordar com a resposta. Os movimentos orgânicos lutam por sistemas naturais e a indústria jura que só ela e suas técnicas modernas podem alimentar o mundo. Os orgânicos lutam, mas a fazenda comercial está matando o planeta. A única opção sustentável para que o planeta não morra é a orgânica. Onde está a verdade?

Trabalhadores colhem maçãs em uma fazenda na região da Cidade do Cabo, África do Sul
Trabalhadores colhem maçãs em uma fazenda na região da Cidade do Cabo, África do Sul - Lalo de Almeida/ Folhapress


De que maneira comemos agora? Nas cidades, perdemos o sentimento de natureza, de mundo, como se nada tivéssemos a ver com o entorno. Em vez de nos vermos como parte dele, achamos que é uma fonte inesgotável que podemos explorar.


E se pudermos pagar por uma comida orgânica mais cara, a alface sem agrotóxico, e só um pouco mais pela galinha feliz? Será que com a comida mais cara não prestaríamos mais atenção nela, comendo menos carne, por exemplo?

A revolução foodie, por enquanto, é da classe média. As fazendas orgânicas são movimentos mínimos contra uma avalanche industrial. As cidades grandes e as fazendas industrializadas não respeitam a natureza. Se não repensarmos o que comemos, logo estaremos sem opções de paisagens nos pratos, como dizem os foodies.

A autora de "Hungry City" (Cidade Faminta, em tradução livre), que estamos resenhando, nos conta de uma viagem que fez a Brogdale, na Inglaterra. É o lugar onde se realiza “A Coleção de Frutas Nacionais”, onde cada variedade de pera, de maçã e de todo o resto é cruzada e desenvolvida. Durante o verão há um festival que mostra os resultados, um Oscar da fruta. Há variedades impensáveis. São como as joias da coroa, cada maçã mais linda que outra e mais saborosa. Cada uma com sua história, sua origem, seu sabor característico.

Não são grandes prados com grandes árvores. São pequenas árvores, quase anãs, que dão frutos que são como a maçã do paraíso, cheios de suco e com gosto diferente.

Centenas de macieiras perfeitas. Quem conseguiu que esse centro mantenedor de frutas não fosse fechado e todas as suas proezas esquecidas foi o príncipe Charles, com aquela cara de quem nada faz para o bem da nação.

E a exposição faz a autora pensar. As variedades de maçãs e de todas as comidas dependem de trabalho do fazendeiro, dependem do lugar onde são plantadas, da geografia, da maneira de cuidar, da tradição. Ou, como os franceses chamam, terroir.

Mas os compradores nos supermercados querem bastante comida barata e previsível e é isso que o agronegócio produz. Pedimos isso. E é isso que recebemos. Na verdade são frutas sem gosto o que pedimos. E sempre as mesmas. A história é que são plantadas as variedades mais fáceis e que no final se tornam mais baratas. Podem ser colhidas verdes, são mais fáceis de estocar, viajam bem, podem ser cultivadas de norte a sul e nem ligam para as estações.

Além de tudo, quase toda a comida inglesa é importada --exagero meu. Quarenta por cento das frutas e hortaliças são importadas.

O resultado disso é que a comida orgânica, com seus mercadinhos, nunca conseguirá alimentar uma cidade. Os consumidores sempre estão de olho no preço. As pessoas vão ao mercadinho orgânico e se divertem pensando nas suas virtudes que salvarão o mundo e compram todo o restante no supermercado. Não é verdade? Continuamos com esse assunto na semana que vem.

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