Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Estamos comendo o mundo

As pessoas têm fome de comida barata e tudo trabalha para que elas se alimentem

Na última coluna resenhamos uma primeira parte do livro "Hungry City" (Cidade Faminta, em tradução livre), de Carolyn Steel, sobre a quantidade de comida que precisamos ter, que precisa chegar às cidades.

Criação de galinhas em Charqueada (SP)
Criação de galinhas em Charqueada (SP) - Rodrigo Paiva/Folhapress


Há, no livro, um resumo histórico de como isso aconteceu desde as calendas gregas. Como detesto muita história (como a origem da salsinha), vou pulando nacos importantes de conhecimento. Ter uma ideia embaçada e fraca já me é suficiente.

É de se imaginar que os lugares onde se plantava o que se comia deviam ser muito próximos das cidades. Não se sabia onde acabava o campo ou começava a cidade, tudo meio misturado, as mulheres com suas casas cheias de jardins e hortas e galinhas. Os fazendeiros, com seu trabalho pesado e repetitivo, certamente ansiavam pela vida da cidade, aquele brilho, muitas festas. Acredito que mais por causa do ócio citadino. Muito cobiçado o ócio, até hoje. Não há nada que produza mais inveja.

E, afinal, de quem era aquela terra toda? De florestas sem dono passaram a áreas cultivadas. Mas quem se transformaria em dono delas? Locke, filósofo famoso, achava que a terra era de quem a trabalhasse, o que tinha lá sua razão de ser. E vieram muitas reflexões teóricas sobre o assunto.

Passaram-se os tempos de fantasias pastorais, com o campo visto como um lugar de felicidade, e a industrialização foi chegando assim como quem não quer nada, e enchendo os céus de cinza de carvão. E, no século 19, se faziam máquinas na cidade para enriquecer a agricultura e aumentar sua produtividade. Chegaram as estradas de ferro, que podiam ir muito longe à procura da comida necessária e foram sumindo e se afastando os cinturões verdes. Navios levam grão para muito longe, lugares nunca antes suspeitados. O grão foi a comida que moldou a cidade antiga, mas a carne moldou a indústria, a cidade nova.

Aparecem as “fábricas” de porcos e de aves e o café da manhã foi ficando padrão, de bacon e ovos.
E os fertilizantes, então? Um sucesso, e ninguém queria saber se eram ou não prejudiciais. O homem gosta muito de comer. Não se aguentavam de felizes com a quantidade de comida, depois das dificuldades anteriores. E aparece o que? O DDT, que foi aquela beleza. Não sobrava um inseto que fosse.

Custou um pouco para percebermos que os insetos morriam, mas apareciam problemas no restante da cadeia alimentar, e quantos!

Todo mundo sabe a farra que foi até começarmos a sentir que os avós e bisavós tinham razão.
As terras exaustas de fertilizantes começaram a falhar.

E veio o reinado da salmonella, da vaca louca, das sementes modificadas e a gripe das galinhas.

A agricultura a essas alturas era um bom negócio, dava dinheiro e quanto mais melhor.

E nós, a cada dia, com mais fome de comida barata. E estamos comendo o mundo. A energia, o petróleo, tudo trabalhando para nos alimentar. E a guerra de opiniões nunca parou. Orgânico é bom e processado não.

Como encher a barriga dos glutões que precisam de comida barata? A paisagem sempre refletiu nossas necessidades alimentares. Se não estamos gostando da paisagem campestre que vemos agora, cheia de prédios e galpões, é preciso mudar o nosso jeito de comer. Radicalmente? Ou orgânico ou industrializado? Barato ou caro? Parece não haver meio-termo. Mas acabamos com essa pequena reflexão no próximo texto, ok?

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