Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Experiência de Michael Pollan com cogumelos pode levar a nova tendência

Quase não tinha gosto, mas ele sabia que, ao ingeri-lo, o integraria à natureza

Michael Pollan, em sabatina da Folha em 2014

Michael Pollan sempre nos ensinou a comer, mas não sabia cozinhar. Quis aprender. Foi ter com uma aluna de Alice Waters e aprendeu tanto que deu um passo à frente.

Já em 2005 estava escrevendo na revista New Yorker sobre uns confiáveis cientistas que estudavam efeitos terapêuticos do LSD em relação ao alcoolismo, à depressão, a angústias. Ficou doidão para experimentar, deixar no prato aquela galinha assada com quinoa que aprendera a fazer.

Claro que, como que todos que se dedicam à cozinha, era tenso, obsessivo e não parou enquanto não investigou o assunto com uma lupa na mão, entrevistando, lendo, cheio de dúvidas e de curiosidade.

Não sossegaria enquanto não experimentasse aquele fungo, aquele reles cogumelo, parecidos com todos que já comera. Quais os efeitos? Enjoou das visitas às fazendas californianas, das hortaliças e quis conhecer o cogumelo, igualzinho aos outros, mas que estava mais para "Alice no País das Maravilhas" do que para Alice do Chez Panisse.

Desprezou uma bela sopa com especiarias e foi parar num desses parques americanos com alguém que entendia do assunto. Não levou porcos, nem cachorros, nem cestinha para cogumelos —e fez bem, pois só achou um.

Pollan não se aguentou ao puxar o bichinho da terra onde se segurava com força, aquela coisa pequena, terrosa, suja, presa ao chão —que não era para lhe dar prazer como os outros cogumelos que conhecia e refogava. Quase não tinha gosto, mas ele sabia, por ouvir contar que ao ingeri-lo se dissolveria, explodiria, faria um trabalho de integrá-lo à natureza. Ele e o parque, o cogumelo, o amigo, a planta, uma coisa só.

E fez a experiência guiado pelo amigo, em ambiente controlado. Os resultados o balançaram mais do que poderia esperar. Teve sentimentos profundos de redenção, tranquilidade, transcendência, coisa que jamais algum prato da culinária lhe deu. Não lhe rendeu uma única estrela Michelin, só lugares-comuns que ele fatalmente bloquearia no seu Face, como "gratidão".

Foi uma piscadela científica e transcendental para o infinito, para o outro lado das coisas. Saiu da experiência mudado, aberto, menos rígido, generoso. Coisa que pode acontecer com um belo prato de comida, mas que só leva o tempo de comê-lo. E com resultados mais pífios.

Um dos seus amigos cientistas, diante das dúvidas, levantou a hipótese que em épocas de rápida mudança ambiental, de crise, seria bom para a sobrevivência do grupo que alguns membros abandonassem respostas condicionadas pelos comportamentos e começassem a testar respostas que fariam bem à sobrevivência do grupo. Despadronizar.

Michael Pollan está se sentindo no limite de uma nova fronteira, mas ainda não entendeu tudo. Só pode dizer com certeza, que "o mundo é muito mais rico do que eu sentia, quando ainda tomava aulas de cozinha e aprendi a fazer ovo pochê". Love is all.

Essa experiência poderá levar a uma nova tendência culinária? Esperemos.

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