Guru da comida saudável descreve experiência com drogas psicodélicas

Michael Pollan fala, em obra recém-lançada, sobre pesquisas psiquiátricas com substâncias como LSD e cogumelos

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[RESUMO]Michael Pollan, conhecido como guru da alimentação saudável, lança livro em que fala de pesquisas psiquiátricas com drogas ilegais nos EUA e conta sua própria experiência com as substâncias.

 

Michael Pollan se desintegrou completamente em pequenos pedacinhos de papel, como post-its ao vento. Depois, sentiu-se espalhado na paisagem como se fosse uma camada de tinta. E viu a plantinha do escritório olhar de volta para ele.

O jornalista e pesquisador americano, conhecido como guru da alimentação saudável nos Estados Unidos, não enlouqueceu. Apenas tomou um ácido, comeu um cogumelo e fumou veneno de sapo.

O resultado está nas mais de 400 páginas de seu novo livro, "How to Change Your Mind" (como mudar sua mente, Penguin Press), que embarca numa viagem de quase 70 anos de pesquisas psiquiátricas com drogas psicodélicas, ainda hoje consideradas ilegais nos EUA.

O jornalista e escritor Michael Pollan durante a Flip de 2014 - Bruno Poletti - 31.jul.2014/Folhapress

​Pollan volta aos primórdios dos anos 1950 e descreve as diversas investigações científicas realizadas mundo afora, muito antes das loucuras da era hippie, da chegada de Timothy Leary (1920-1996), o papa do LSD, e do consequente pânico moral dos anos 1960. Ele explica como aconteceu o atual renascimento dos estudos após décadas de proibição, em especial com pacientes em estado terminal ou com problemas de vício, trauma e depressão.

"Cresci ouvindo histórias de horror sobre LSD. Acreditei nelas, tinha medo e fiquei bem longe até o final dos meus 50 anos. Mas a maioria não era verdade", disse Pollan, 63, num evento em Los Angeles, citando reportagem publicada em 1967 na Science, segundo a qual a droga afetava o cromossoma. A história depois foi desmentida pela própria revista.

Autor dos best-sellers "Em Defesa da Comida" (Intrínseca, 2008) e "Cozinhar" (2014), Pollan e seu novo trabalho atingiram o topo dos mais vendidos do New York Times logo na primeira semana de lançamento, no final de maio. No Brasil, a previsão é para 2019 pela mesma editora.

Apesar de parecer um tema novo no seu universo nutricional e agrícola, o autor acredita numa continuidade do trabalho. "O que realmente me interessa é nossa relação com o mundo natural, como a natureza nos muda e como nós mudamos a natureza", disse, lembrando que já havia escrito sobre maconha medicinal e sua plantação ilegal de papoulas.

Suas experiências com as drogas surgiram tanto da curiosidade jornalística quanto de certa dose de inveja. "Nunca tive uma experiência mística, e muitos relatavam viagens espirituais poderosas que estavam transformando suas vidas. Queria saber o que era", afirmou, ainda que não saiba se alcançou o objetivo.

"Os espanhóis destruíram os cultos ao cogumelo 500 anos atrás porque era algo pagão. Os índios chamavam de 'carne dos deuses' e, claro, é exatamente o que é o sacramento dos cristãos", afirmou Pollan no evento, dentro de uma igreja episcopal de Pasadena, onde a livraria do bairro costuma sediar tais encontros.

"Fico sem graça de dizer isto aqui", continuou Pollan, sentado numa cadeira no altar, "mas quem tem o melhor sacramento? Você não precisa de fé para ver Deus e não precisa de padre para se comunicar com Deus. Os índios têm uma linha direta e isso era ameaça para a Igreja".

O medo de enlouquecer fez Pollan pesquisar a fundo as contraindicações e procurar seu cardiologista, que proibiu MDMA (ecstasy) devido a seus efeitos na frequência cardíaca. Da meia dúzia de "viagens" que fez, apenas uma não se deu em sessão guiada com terapeutas clandestinos que conheceu por indicações.

Seja com LSD (composto por um ácido encontrado em fungos de centeio) ou cogumelos, seja com veneno de sapo ou ayahuasca, as terapias ilegais de hoje, assim como os testes clínicos legais, ocorrem em ambientes controlados, na presença de um ou dois terapeutas, música relaxante e venda nos olhos; no dia seguinte, uma sessão de integração para dar sentido aos temas expostos.

"Não é tomar um chá e ir para a praia. Eles te preparam cuidadosamente. O principal conselho é se entregar para o que estiver acontecendo", disse Pollan. "É simples falar quando seu ego está se dissolvendo em mil pedacinhos, mas se você resistir, fica muito ansioso."

"Eu me desintegrei totalmente e tinha um olho percebendo tudo e nada alarmado com aquela catástrofe. Foi um sentimento libertador, como se eu fizesse parte de algo maior. Aprendi que você não precisa se identificar com o seu ego, você não é necessariamente aquela voz na sua cabeça", contou.

Pollan afirmou que a sensação foi passageira, mas que aprendeu a voltar a tê-la através da meditação. "Numa civilização muito egocêntrica como a nossa, o ego nos desconecta de tudo, da natureza, das outras pessoas."

A primeira aparição dos cogumelos mágicos na cultura popular ocidental data de 1957, quando um alto executivo do J.P. Morgan e micologista amador escreveu um artigo de 15 páginas na Life sobre sua experiência em cerimônias clandestinas no sul do México. A história inspirou Leary e celebridades como Mick Jagger e John Lennon.

Hoje em dia, é fácil conhecer pessoas em Los Angeles que já recorreram a tais procedimentos, mas é impossível achar no Google referência a locais que apliquem a terapia. Porém, há inúmeros retiros internacionais sendo divulgados online: Jamaica, Costa Rica, Holanda...

Este último é voltado para profissionais do Vale do Silício interessados na onda das microdosagens de LSD, uma terapia que promete ajudar no "aumento da criatividade e desbloqueio de níveis elevados de percepção", de acordo com o site. O retiro em Amsterdã custa 1.350 euros (quase R$ 6.000) e dura três dias, com datas em julho e agosto.

"O livro do Michael Pollan vai ter um impacto gigantesco. Ele é cuidadoso, receoso, acadêmico. Quadrado, digamos, e não um hippie", disse a designer Janet Sager-Knott, presente na igreja. Ela tem a mesma faixa etária que Pollan e diz que participou de uma cerimônia de ayahuasca há quatro anos em Ojai, uma das mecas do misticismo californiano. "Para quem nunca pensou no assunto, o livro vai ligar uma luz."

Pollan não quer virar um Timothy Leary do século 21, personalidade que, aliás, aparece quase como vilão em "How to Change your Mind". Demitido de Harvard, Leary deixou o meio acadêmico para catequizar a sociedade sobre as maravilhas psicodélicas em festas libertinas que ajudaram a espalhar o pânico moral que levou à proibição em 1970. O autor, no entanto, dá a ele o crédito por ter transformado uma geração que, hoje, é responsável pelo ressurgimento das drogas.

How to Change Your Mind: What the New Science of Psychedelics Teaches Us About Consciousness, Dying, Addiction, Depression, and Transcendence

  • Preço US$ 28 (Amazon, 480 págs.)
  • Autoria Michael Pollan
  • Editora Penguin Press
  • Lançamento no Brasil 2019, pela Intrínseca

"Não é para qualquer um. Os riscos existem e são psicológicos", disse Pollan, explicando que quem sofre ou tem histórico de esquizofrenia e outras doenças mentais na família não é aceito nos testes clínicos porque as substâncias podem desencadear psicoses temporárias ou de longo prazo. "Mas não há dose letal para psicodélicos, são drogas não tóxicas. São mais seguras do que álcool ou cigarros e provavelmente até Tylenol. E isso é muito notável devido a seus efeitos profundos".

Há quem acredite que psilocibina, LSD e MDMA vão encontrar o caminho da legalidade, como aconteceu com a maconha, primeiro liberada para fins medicinais e depois para uso recreativo em alguns Estados americanos. Pollan tem suas dúvidas, ainda que acredite que a FDA (agência federal que regulamenta medicamentos nos EUA) esteja a alguns anos de reconhecê-las como remédio.

"O desafio vai ser como deixar as pessoas sem diagnóstico usarem também. Porque são drogas poderosas demais que precisam de algum tipo de limite [como terapias ou cerimônias]. Já vimos que a falta de limite traz problemas", disse. "Mas não tenho resposta, preciso pensar mais a respeito". 


Fernanda Ezabella é jornalista baseada em Los Angeles.

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