Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nosso estranho amor
Descrição de chapéu Relacionamentos

Joana, John e a decisão de deletar um amor

Ela percebeu que tinha deixado para trás um pedaço da sua história

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Quem ousar baixar o jornal, abrir o Youtube e buscar a combinação de palavras "brazil" mais "love" vai se deparar com uma cascata de relatos de amores gringos em primeira pessoa. Uma das primeiras ocorrências na busca é o vídeo "Filipina and Brazilian Love story", em que a filipina Sheryl Rodrigues narra como conheceu o brasileiro Joelson. A seguir, vem "COMO CONHECI MEU BOY AMERICANO", publicado pelo perfil Luisa na Gringa, com as hashtags #gringo #eua e #brasil. São histórias de relações internacionais que vingaram e saíram do virtual.

Mas se você buscar em novembro de 2022 não vai mais achar a história de Joana e John. Depois de anos como um dos relatos de amor estrangeiro mais vistos da rede, o vídeo acaba de ser deletado. "Era um guia, as pessoas viam porque queriam acreditar que iam encontrar um amor num país distante", diz ela, que prefere ser identificada só pelo primeiro nome. "E nosso casamento acabou e ficou aquilo ali, como se fosse uma mentira. Não era mentira, porque a gente realmente viveu tudo isso e estava junto quando gravamos. Mas já não estamos mais, vamos deixar aquele retrato ali pra sempre?", diz Joana.

Desenho de um coração partido com a escrita Game Over
Pixabay

Uma pergunta começou a martelar na cabeça dela desde que pegou um avião e voltou para Belo Horizonte no meio da pandemia: O que fazer com o relato de um amor que acabou? Ela mesma não sabia a resposta. O vídeo foi tão fácil de gravar quanto foi difícil de ser deletado. Nas imagens, Joana contava como conheceu John por um aplicativo que colocava falantes nativos de inglês em contato com pessoas que queriam azeitar suas capacidades linguísticas. Primeiro, passou por um idoso que insistia em usar adjetivos para elogiar a beleza de Joana ("charming" e "alluring" foram só duas das palavras que ele usou. Depois, foi pareada com uma jovem universitária que parou de aparecer no terceiro encontro. "Até hoje não sei por que, e desconfio que ela tenha me achado chata", ri Joana.

No terceiro mês usando o aplicativo, Joana acabou designada a John. A primeira piada, é claro, foi que eles tinham o mesmo nome. Mas não foi amor à primeira vista. "Ele era meio sem sal, pra dizer a verdade. Brancão, duro, sabe o gringo que a gente vê na ‘Sessão da Tarde’? Então, era ele." Mas o papo foi melhor do que o esperado, tanto na forma quanto no conteúdo. "Descobri que ele era engraçado. Mas que não tinha muito com quem usar essa graça." A família de John era mórmon, uma fé que ele tinha deixado para trás quando se mudou de Utah para a Califórnia, no começo dos anos 2000. Os dois se deram bem. "O brancão não era tão duro quanto ele parecia", brinca Joana.

Em 2017, ela foi passar férias nos Estados Unidos. E não por acaso planejou uma visita a San Diego, onde John morava. "Fui para voltar duas semanas depois. Mas não voltei." Os dois ficaram juntos. Ela, que no Brasil trabalhava como secretária num consultório de dentistas, conseguiu emprego num pet shop. "E fomos felizes. Não era uma vida cheia de histórias, quase não acontecia nada. Mas era legal."

Qual foi sua surpresa quando ela gravou o vídeo de sete minutos e meio contando como os dois tinham se conhecido e, de repente, virou uma celebridade de nicho. "Tem muita mulher brasileira que vai para a internet ver histórias dessas, porque sonha com o príncipe americano." Em menos de seis meses, o vídeo tinha mais de 100 mil visualizações e mil comentários. A maioria deles vinha cravejada com corações. Joana passou a receber perguntas. "Coisas do tipo ‘como eu acho um gringo?’, coisas que eu não sabia responder, então ignorava", ela conta. O sucesso do vídeo não a motivou a publicar mais nenhum outro. "Não é a minha. Fiquei morrendo de vergonha só com aquele."

E, cinco anos depois de nascer, o casamento acabou. "Ele queria ter filho, eu não quero. Ele queria passar o resto da vida nos Estados Unidos, eu queria uma hora voltar para o Brasil. Aconteceu o que acontece com os casamentos", ela resume. Depois de voltar para o Brasil, ela percebeu que tinha deixado para trás um pedaço da sua história. Um vídeo em que contava a história de um amor feliz. Em setembro de 2022, apagou da rede o seu relato. "Aquela história existiu. Era tudo verdade. Mas não acho que fazia mais sentido ela estar ali, pras pessoas dizerem: ‘Ah, que inspirador’. Para mim, basta que eu saiba que ele existiu. E o John também."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.