Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Vera & Luana: 6 décadas de uma amizade 'cachorro louco'

Amigas desde 1962, elas atravessaram os anos entre confetes e lágrimas

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São Paulo

"IRMÃ PUTA GERALDA."

Foi o que Vera Graziano escreveu seis décadas atrás, com gilete, na porta do banheiro do Santa Catarina, tradicional colégio católico na Mooca, zona leste de São Paulo. "Eu detestava aquela freira."

Uma colega dedo-duro chamou a tal Geralda para mostrar "e foi um fuá", lembra a ré confessa. "A mulher tinha um nariz enorme. Chorava e tentava limpar o nariz com um microlencinho. A menina me acusava, eu gritava que não tinha sido eu. Juntou uma galera."

Outra pessoa chorou muito naquele dia. Às lágrimas, Luana Carramillo Going, sua fiel escudeira, disse que, se Vera tinha dito que não havia sido ela, então não foi, pombas. Passou mais de meio século acreditando nela, até que a melhor amiga que a vida lhe deu confessou tempos depois que de fato tinha culpa no cartório. As duas já sexagenárias. "Ela quase me matou."

Vera Graziano, 72, e Luana Going, 72, amigas há 62 anos, numa festa em 1981 - Arquivo Pessoal

Vera, hoje aposentada, e Luana, professora universitária e psicóloga, se conhecem desde 1962, quando caíram na mesma turma da sexta série. Duas ótimas alunas, mas que sempre ficavam em recuperação por causa das notas vermelhas em comportamento.

"Sempre estávamos de castigo, porque nunca parávamos de falar ou rir de tudo", conta Luana. "Naquela época era comum os alunos ficarem imóveis, sem abrir a boca durante as aulas."

Agarraram amor ali mesmo: as vizinhas Vera, mais fortinha, e Luana, a magrela, uma dupla inseparável que ganhou quase todas as corridas de rolimã que disputaram pelas ruas da Mooca.

Também jogavam queimada, e foi numa dessas partidas que um "cachorro louco" entrou na quadra e mordeu várias meninas. O animal enfurecido investiu por fim contra Luana. Ela segurou a saia pregueada até o joelho e começou a rodopiar até as patas do bicho saírem do chão. Foi ovacionada pela meninada.

Os anos ainda trariam muitos cachorros loucos para Vera e Luana debelarem juntas.

Na adolescência, eram as freiras que pegavam no pé. "Morríamos de rir porque, nos bailes da escola, elas ficavam andando enquanto dançávamos e nos orientavam a dizer caso algum menino quisesse dançar de rosto colado: alto lá, sou de Cristo!"

A vida foi tomando seus rumos. Luana foi cursar psicologia na faculdade e começou a namorar Douglas, com quem é casada até hoje. Vera fez biologia e se apaixonou aos montes.

De resto, a sintonia continuou para quase tudo. Da dupla de palhacinhas ao par de diabinhas, até as fantasias de Carnaval as duas combinavam.

Mas nem tudo era festa, e nessas horas de pouco confete a já parruda amizade crescia ainda mais. "É como se tivéssemos uma sincronicidade sobre os sentimentos, ou a necessidade de ajudar uma a outra", resume Luana.

E ela parecia ter um sexto sentido para sacar quando a melhor amiga estava em apuros. "Todas as vezes em que a Vera não estava bem, eu sentia que tinha algo errado e ligava ou eu ia até a casa dela."

Aconteceu quando a mãe da Vera morreu. Um dia antes, Luana telefonou para pedir o número da senhora. Sentiu saudades e quis bater um papo.

Também se fez presente em outros momentos difíceis. Certa vez, procurou a ex-colega do Santa Catarina pois tinha certeza que ela passava por maus bocados. Emprestou uma grana que nunca aceitou de volta.

Não que o céu nunca fechasse entre essas duas. Política é campo minado.

Luana e Vera bateram boca na eleição de 2006. A primeira ia votar em Geraldo Alckmin, então tucano, e a segunda era Lula (PT) desde criancinha. "A Vera foi embora de casa e ficamos sem falar um tempo, mas houve uma situação difícil, ela imediatamente me ligou, e fui correndo abraçá-la. Na verdade, sempre foi assim."

Os votos continuam divergindo, mas o amor sempre as levou de volta ao que importa. Sempre foi assim.

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