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Álvaro Machado Dias

A internet melhora a forma como as pessoas se relacionam com amigos? SIM

Polarização mais acrescenta que subtrai laços de amizade

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Álvaro Machado Dias

Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind

O maior desafio deste debate é esquadrinhar o universo preconizado, a internet, sem perder de vista o tipo particular de relacionamento em foco, a amizade.

Muitas plataformas sociais adotam o termo amigo para se referir a conexões porque este é usado em modelagens de grafos e é simpático. Mas ser literal mostra-se inadequado. Engana-se, por exemplo, quem acha que o grande vetor de uso do TikTok, rede de maior relevância atual, é a amizade.

Ilustração mostra cinco pessoas abraçadas
Uma das razões do acesso à internet é a conexão com amigos e familiares por aplicativos de mensagem, que ajudam na aproximação gradual de amigos - Catarina Pignato

Conforme pesquisa recente da Nielsen, o que seus usuários mais buscam são expressão pessoal e tendências; outras plataformas baseadas em vitrines humanas seguem junto, o que desaconselha equipará-las à internet neste contexto.

Segundo o censo mais recente (2023), a principal razão de acesso à rede é a pesquisa informacional. Há quem diga que o único conhecimento que importa em uma amizade é aquele que envolve os partícipes, o chamado parcialismo epistêmico, mas essa visão é minoritária. A principal diz que o saber fortalece as amizades. Logo, a internet o faz, ampliando horizontes e o potencial opinativo dos chegados.

A segunda razão de acesso é a conexão com amigos e familiares, a qual endossa, prima facie, o argumento acolhido. Seus expoentes atuais são os aplicativos de mensagem (como o WhatsApp), cuja baixa fricção e natureza assíncrona tanto servem às relações estabelecidas quanto à formação de amizades, por meio de jornadas de aproximação gradual. Esses silos da internet levam à multiplicação de grupos de pressupostos, onde laços são reaquecidos e relações afetivas se formam, muitas vezes, à sombra de inimigos comuns.

Por mais que amizades se desfaçam por divergências ideológicas, as análises mais atentas mostram que as tensões interpessoais dominantes são entre estranhos, conhecidos e parentes.

No campo das amizades, a polarização mais acrescenta e qualifica do que subtrai laços —eis a amarga lição da broderagem digital terraplanista, a qual ganha contornos longe de fronts de batalha, como o Twitter.

Uma consequência deste raciocínio é que não dá para assumir que a multiplicação e o aprofundamento das amizades, em função da redução tecnológica das barreiras de entrada e sustentação, sinalizam progresso moral e maior harmonia social. O que chamamos de bolhas, pasmem, é o que os de dentro chamam de grupo querido de amigos.

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